Folha de S. Paulo


Aflito com a saúde, Gobbi não vê hora de deixar presidência do Corinthians

Mário Gobbi, 53, acendeu uma vela antes do início da entrevista para a Folha, na última quarta (29). No 5º andar do Parque São Jorge, a mesa está repleta de imagens de santos, crucifixos e presentes religiosos que recebeu desde que assumiu a presidência do Corinthians.

Ele fala de fé, lembra de visita ao Vaticano e mostra as esculturas. É uma forma de enfrentar a ansiedade dos meses finais de mandato.

O cartola define ser presidente do Corinthians como "a maior honra" de sua vida. No entanto, não vê a hora de ir embora. Ele deixa o cargo em fevereiro de 2015.

"Não tenho mais paciência. Você tem de agradar a todo mundo e ainda conviver com a mentalidade que existe no futebol. Eu estou cansado", desabafa.

Nas mãos, Gobbi mexe em duas folhas de papel grampeadas, com a letra da música "Quando o Carnaval Chegar", de Chico Buarque.

"E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar... Tô me guardando pra quando o Carnaval chegar", diz um trecho.

Ele já esperava as críticas dos adversários. Não imaginava, porém, que viria o fogo amigo. Ter a gestão minada por aliados foi uma desagradável surpresa, embora ele tente minimizar o fato.

"Antes de aceitar me candidatar, fiz quatro meses de terapia para descobrir se era isso o que queria para minha vida. Depois chamei minha mulher para participar junto da decisão. É um orgulho muito grande ser presidente do Corinthians. Mas é pesado", afirma, pausadamente, repetindo as sílabas.

Ele sabe que as sessões no divã não o prepararam para os altos e baixos que viveu desde 2012. Em três anos, foi do céu ao inferno.

Está na história como o presidente que deu ao clube o inédito título da Libertadores. Foi campeão mundial. "O mundo é preto e branco, Blatter!", gritava, em português, para o presidente da Fifa, Joseph Blatter, após a vitória sobre o Chelsea, no Japão (Blatter não entendeu nada).

Viu a violenta invasão de torcidas organizadas ao centro de treinamento do clube neste ano e estava em Oruro quando o sinalizador naval atirado por um torcedor corintiano matou o boliviano Kevin Espada, 14, em 2013.

Gobbi se irrita ao falar que a imprensa não trata as outras equipes com o mesmo rigor com que aborda o Corinthians quando o tema é torcida organizada. Insinua acobertamento ao São Paulo.

"Vocês sabem do que se trata!", reclama, com o dedo em riste. Levanta-se da cadeira, atira o celular para o lado e quase encerra a entrevista.

Quase meia hora depois, está com lágrimas nos olhos, arrependido da reação intempestiva. "Sempre fui assim. Sou italiano", diz.

As explosões repentinas e a pressão do cargo cobram a conta. A expressão de Gobbi é cansada. Ele revela que os resultados dos últimos exames do check-up anual estavam "alterados". Em Belo Horizonte, antes das quartas da Copa do Brasil contra o Atlético-MG, teve um derrame no olho esquerdo.

A volta da delegação teve de ser feita pela pista do aeroporto de Congonhas por medidas de segurança após a derrota. Logo depois, recebeu em sua sala integrantes de torcidas organizadas para conversar sobre a equipe.

"Você acha que eu mereço isso? Você acha que eu mereço sair do aeroporto pela pista? Mereço ser xingado, ouvir algumas coisas que são cantadas nos estádios?", questiona, abrindo os braços como que respondendo para si mesmo: não, não merece.

Do lado esquerdo da mesa, está a réplica do troféu do Mundial de 2012, colocado num pedestal. Capas de jornais com manchetes de títulos o lembram que a recordação que ficará será vitoriosa.

Em três anos de presidência, foram quatro conquistas. Mas isso só vai ficar mais claro quando estiver afastado do cargo, após encerrar uma ascensão meteórica no clube, onde entrou na vida política há apenas 12 anos.

Jovem, ganhou o título de presente do conselheiro e amigo José Maria Pereira Rios, dono de restaurante na rua Oscar Freire, nos Jardins, local que parou de frequentar quando se tornou presidente. Queria evitar as cobranças de conselheiros que frequentam o local. E do próprio Rios.

"Me lembro perfeitamente. Quando fomos assinar o título na tesouraria, ele falou: 'Você vai ser algo grande aqui neste clube'", recorda.

Voltar ao convívio do seu Rios, como o chama, é só uma das coisas que pretende fazer quando deixar o cargo e a vida política do Corinthians, em fevereiro. Gobbi jura contar os dias para voltar a ser apenas torcedor.

Mas será um tipo raro de corintiano, aquele que, após passar pelo cargo máximo no Parque São Jorge, sabe que a exigência de vencer todas as quartas e domingos é muito árdua. "Todos deveriam ter a experiência de estar dentro do futebol. Muda a visão. Para melhor."

Gobbi já sabe como será sua manhã no dia seguinte à despedida da presidência.

"Vou fazer uma caminhada e respirar ar fresco. Também não vejo a hora de voltar ao meu ambiente de trabalho. Antes eu achava que era o esgoto da sociedade. Agora estou com uma saudade...", diz o delegado de polícia.

Embora diga que as alegrias nesse período da presidência superam os aborrecimentos, esses últimos o levam a querer largar tudo.

Está cansado de ser acusado de proteger torcedores organizados e de brigar com o Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Admite que poderia ter mudado seu estilo para tentar satisfazer a todos.

Em vez disso, aponta para o quadro na parede. Em uma folha de papel com a escudo do Corinthians, está a frase do escritor português José Saramago (1922-2010): "Estou convencido de que há de se seguir dizendo não, ainda que se trate de uma voz predicando no deserto."

Prestes a deixar de ser presidente do clube mais popular de São Paulo, Mário Gobbi admite: "Eu me identifico com essa frase..."


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