Folha de S. Paulo


"Pelé está errado", diz símbolo da luta contra o Apartheid

"Se Pelé disse que Aranha deveria ter ignorado as ofensas, eu não concordo com ele. Somos homens, não macacos, e não podemos ficar calados quando nos chamam assim", disse à Folha Chester Williams.

Atleta sul-africano e negro, Williams, 44, rebate o Rei do Futebol com a autoridade de quem conquistou sucesso no rúgbi, um esporte dominado por brancos, em um país que vivia o Apartheid -política oficial de segregacionismo racial- quando ele começou a jogar.

No Brasil até o fim do mês para ministrar clínicas de rúgbi e participar de projetos sociais, Chester Williams estava a par do incidente envolvendo o goleiro do Santos Aranha, no Rio Grande do Sul, em 28 de agosto.

Apu Gomes/Folhapress
Sul-africano Chester Williams, campeão mundial em 1995, ensina rúbgi em Paraisópolis
Sul-africano Chester Williams, campeão mundial em 1995, ensina rúbgi em Paraisópolis

Pelé disse que Aranha não deveria ter se manifestado sobre as ofensas que estava recebendo, durante a partida contra o Grêmio, ainda com o jogo, válido pelo Campeonato Brasileiro, em andamento.

À Folha, Aranha já disse que não se arrepende do que fez.

"Eu também passei por isso. Sim, foi jogando que eu conquistei o respeito das pessoas, mas dizer que o goleiro deveria ter deixado para lá as ofensas, se não era isso que ele estava sentindo, não está certo", diz.

Como jogador de rúgbi, Chester Williams pode ter feito mais pela África do Sul do que muitos dos seus governantes.

Em 1995, quando o país recebeu a Copa do Mundo do esporte pela primeira vez, ainda sob os ecos do fim do Apartheid, da libertação e da eleição de Nelson Mandela para presidente, Williams, que atuava como ponta, foi o único negro convocado para a seleção nacional.

Segundo o ex-jogador, a história real assemelha-se muito à que foi retratada no filme "Invictus" (2009), dirigido por Clint Eastwood, que contou a inesperada saga do time azarão que viria a ser campeão mundial.

"A gente só notou que estava fazendo história quando nos vimos na final e percebemos quanto já havíamos percorrido para chegar ali", contou o ex-jogador.

"Era nossa primeira Copa, no nosso país, e não tínhamos bons resultados historicamente. Mas ganhamos", relembra-se, com um enorme sorriso.

Chester Williams sabe, e não faz questão de esconder, que sua importância naquele time, mais do que técnica, era simbólica.

"O presidente Mandela me mandava mensagens de boa sorte todos os dias, quando me machuquei antes da competição", revela Williams. "Minha presença na equipe era estratégica. Ela não forçou a barra para minha convocação, mas deixava claro que, se eu estivesse bem, eu era fundamental para os planos dele de união para o país", diz.

De Nelson Mandela, Williams diz ter aprendido que a tolerância e a aceitação são os melhores caminhos.

"Ele passou 27 anos preso e, presidente, poderia ter se vingado. Mas não. Ele realmente tinha uma aura diferente, ele realmente acreditava no seu discurso de igualdade entre as pessoas, que gradativamente conquistou o país", afirma.

Com os companheiros de time, com quem participará de uma reunião comemorativa de 20 anos do título, no ano que vem, quando a Copa do Mundo de rúgbi será jogada na Inglaterra, ficou a lembrança de que, em união, pode-se mais.

Foi pelo bem da continuidade da evolução no sentido de igualdade entre as pessoas que Williams recebeu com alívio a condenação a cinco anos de prisão para o corretor biamputado Oscar Pistorius, um outro herói nacional, de quem ele era conhecido, pelo homicídio culposo –sem intenção de matar– de sua então namorada Reeva Steenkamp, em fevereiro deste ano.

"Creio que até Pistorius dever ter ficado, de certo modo aliviado. Ele é um atleta famoso, mas não deixa de ser um cidadão branco. E sua liberação mandaria uma mensagem ruim para a África do Sul", afirma.

O fato de as palavras "branco" e "negro" ainda aparecerem em todas as entrevistas concedidas por ele neste período no Brasil, não surpreende Williams.

"Faz só vinte anos que a África se tornou uma nação democrática. O Apartheid não existe oficialmente, mas o efeito dele está em todos os lugares, nas mentes das pessoas", afirma.

"Isso só vai mudar com o tempo, quando nossas crianças não aprenderem a diferenciar as pessoas pela cor", acredita,

"Hoje, acredito que avançamos uns 60% no sentido da ideia de que somos todos iguais. É bastante, se pensarmos que até pouco tempo, era zero", diz.

"Sei que nunca chegaremos ao mundo ideal, ao 100%. Estados Unidos e Brasil, nações que convivem há mais tempo com a igualdade racial perante a lei, estão longe do ideal, também. Mas é inegável que avançamos muito. E vamos avançar muito mais nos próximos 20 anos", acredita.


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