Folha de S. Paulo


Página racista no Facebook é criada em "apoio" a torcedora gremista

A auxiliar de odontologia Patrícia Moreira, 23, afirmou na última semana que pretendia se tornar "um símbolo nacional contra o racismo". Flagrada por câmeras de televisão, durante a partida entre Grêmio e Santos no dia 28 de agosto, gritando a palavra "macaco" para o goleiro Aranha, ela está sendo investigada por injúria racial, perdeu o emprego e teve de deixar sua casa porque recebeu ameaças.

Na internet, porém, o episódio envolvendo o jogador do Santos e a torcedora gremista gerou efeito colateral. Uma página criada no dia 14 de setembro no Facebook - intitulada "Apoiamos Patricia Moreira contra a hipocrisia do Politicamente Correto" - usa a imagem da torcedora para atacar críticas desde a definição do racismo até a vinda de imigrantes haitianos ao Brasil.

Nesta quarta (24), o advogado de Patrícia registrou um boletim de ocorrência na 4ª Delegacia de Polícia Civil de Porto Alegre contra o criador da comunidade, solicitando que ela seja excluída em até 24 horas, por usar de forma indevida o nome e a imagem da sua cliente.

Em uma das postagens da página, uma montagem mostra jogadores de futebol como Neymar, Pelé, Tinga e Robinho acompanhados de mulheres loiras, para criticar a "hipocrisia" do "orgulho negro". Outro texto, postado pela página na terça-feira (23), traz uma mensagem a respeito de relacionamentos inter-raciais: "Diga não à miscigenação racial. Se o povo de Israel não se mistura, a gente também tem o mesmo direito de falar sobre, sem censuras politicamente corretas".

Reprodução
Reprodução de pagina criada no Facebook em apoio à torcedora do Grêmio que xingou o goleiro Aranha
Reprodução de pagina criada no Facebook em apoio à torcedora do Grêmio que xingou o goleiro Aranha

O criador por trás da página afirma ser um advogado carioca, de 27 anos, torcedor do Flamengo e simpatizante do Corinthians e do Grêmio, chamado Jeferson. Alegando preocupação por "questões de segurança", ele não aceitou conversar por telefone. "Falam que vão me denunciar, me rastrear, matar, que quem defende a 'garota racista' deve morrer, é rotina", respondeu em entrevista pelo chat da rede social.

Jeferson conta que é o único administrador do perfil. Fazendo referências ao deputado federal Jair Bolsonaro (PP/RJ), à paulista Mayara Peluso - processada em 2010 por comentários contra nordestinos em uma rede social - e ao autor de "Admirável Mundo Novo", Aldous Huxley, ele explica que criou a página para expôr contradições.

"A hipocrisia de pessoas dizendo que a torcedora é branca, nojenta que deve ser estuprada por negros, o racismo anti-branco é permitido no Brasil e saem impunes, uma lei que só vale pra um lado deve ser revogada. Fiz a página pra citar diversas patologias, contradições do movimento de esquerda", afirma.

Para ele, Aranha "aceita o coitadismo" e está entre os negros que funcionam como "massa de manobra" das políticas de esquerda. Seu contraponto seria o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. "Eu tenho orgulho de ser Branco (sic), já fui tachado de muita coisa e nem por isso liguei, aqui tem uma parcialidade, negro pode dizer que tem orgulho, branco não, é hipocrisia, esquerdista sempre odiou Homem Branco", defende.

Reprodução/ESPN
Torcedora gremista grita
Torcedora gremista grita "macaco" para o goleiro Aranha, do Santos

INVESTIGAÇÕES DEPENDEM DE DENÚNCIAS

Segundo relatório da própria página, a maioria dos comentários da comunidade vem de São Paulo e os usuários estão na faixa etária entre 18 e 24 anos.

De acordo com o delegado substituto da Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Joerbert Nunes, como nenhuma denúncia foi recebida não há crime. Se investigada, no entanto, a página pode ser enquadrada por prática de injúria racial ou racismo segundo Código Penal Brasileiro. "Podemos pedir dados cadastrais sem necessidade de ordem judicial. Fora isso, temos de procurar a identificação do provedor, o IP (número de registro do computador) das máquinas e pedir interceptação das conversas. Aí sim com autorização judicial", explicou.

Sem denúncias registradas contra o perfil, o Ministério Público também não conduziu investigações.

O advogado de Patricia Moreira, Alexandre Rossato, disse desconhecer a página e seu conteúdo. "Lamentável isso, estou sabendo por intermédio de vocês", declarou por telefone à Folha. Rossato estuda tomar medida judicial contra os administradores do perfil e pedir investigação ao Ministério Público. Segundo ele, Patricia pretende se tornar um símbolo contra o preconceito, "trabalhando contra o racismo, mostrando que não é racista". Porém, "ainda não tem nada concreto" sobre de que formas irá fazer isso.

CONCLUSÃO DO INQUÉRITO

Perto do fim do prazo de trinta dias para a conclusão do inquérito, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul diz que não tem previsão de pedir prorrogação para a entrega. O tempo legal encerra na próxima segunda-feira (29).

O inquérito está sendo montado com depoimentos, imagens de câmeras de segurança da Arena do Grêmio e de televisões, além de provas periciais como leitura labial realizada por duas fonoaudiólogas contratadas pela Polícia. Desde o dia 29 de agosto, a polícia ouviu aproximadamente dez pessoas e algumas das testemunhas devem ser chamadas para novo depoimento.

"Estou aguardando algumas diligências, inclusive a perícia, para decidir com relação a isso", afirmou o delegado responsável pelo caso Herbert Ferreira.

Marinho Saldanha/UOL
Patrícia Moreira, 23, torcedora do Grêmio, concede entrevista em Porto Alegre
Patrícia Moreira, 23, torcedora do Grêmio, concede entrevista em Porto Alegre

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