Folha de S. Paulo


Análise: Cânticos de torcidas expõem boca suja e preconceitos racial e sexual

No dia em que Grêmio e Santos voltam a se enfrentar em Porto Alegre (20h30, pelo Campeonato Brasileiro) após a ofensa ao goleiro Aranha, todos os olhos estarão no campo e todos os ouvidos estarão na arquibancada.

O clube vai espalhar câmeras e olheiros pelas arquibancadas para tentar flagrar torcedores que gritem ou cantem expressões de teor racista, que possam prejudicar o Grêmio –o clube já foi eliminado da Copa do Brasil por causa das ofensas raciais a Aranha no dia 29 de agosto.

Caso passe a haver fiscalização aos preconceitos expostos em gritos de torcida pelo país, com punição aos times de torcedores mais boca-suja, vai faltar no mercado sabão líquido para tanto gargarejo.

Embora não seja possível capturar dados de tudo o que é gritado nos estádios –como o "chupa", de curiosa lógica que solicita carícias muito íntimas a membros da torcida adversária–, é possível analisar o vocabulário das letras cantadas pelas torcidas.

A Folha analisou os cânticos das torcidas de dez dos principais times brasileiros, de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. As palavras chulas usadas, se levadas a sério, sugerem injúrias raciais, sexuais e familiares.

Os cânticos foram extraídos de um site de letras, alimentado por usuários. Dificilmente, o site inclui todas as músicas cantadas pelas torcidas e é impossível saber quantas já caíram em desuso. Mas é possível ter alguma ideia sobre o vocabulário das arquibancadas.

Nesse ranking dos bocas-sujas, feito a partir dos xingamentos de estádio mais comuns lembrados pela equipe da Folha, o time mais boca-suja é o Grêmio (82 palavras), seguido por Palmeiras (71) e São Paulo (62). Isso se deve em parte ao fato de os torcedores do Grêmio serem os mais empolgados registradores de músicas na internet, tendo publicado 143 letras.

Fotomontagem
Torcedores de Grêmio, São Paulo e Palmeiras, que estão na frente do ranking dos bocas-sujas
Torcedores de Grêmio, São Paulo e Palmeiras, que estão na frente do ranking dos bocas-sujas

A maior parte dos xingamentos é dirigida à mãe do adversário. A palavra "puta" aparece 35 vezes. A torcida que mais a utiliza no site é a do Grêmio (12 vezes). Uma das músicas da torcida, uma adaptação de "Another Brick on the Wall" (música do Pink Floyd), coloca no mesmo verso o xingamento à mãe do adversário e a comparação com macacos, que virou de cabeça para baixo a vida da torcedora Patrícia Moreira da Silva, flagrada por TVs xingando o goleiro Aranha de "macaco".

O segundo maior ofendido é o estádio do adversário, invariavelmente chamado de "chiqueiro" por Grêmio e Inter no RS e Santos e São Paulo em SP. O Palmeiras usa a palavra para citar o próprio estádio. Ao todo, os cânticos disponíveis desses times, exceto Palmeiras, usam 26 vezes a palavra. Novamente, a torcida do Grêmio foi quem a usou mais vezes no site.

Comparações com animais estão na terceira e quinta posições. A palavra "gambá" (25 vezes) é usada principalmente pelo Palmeiras (14) contra o Corinthians e pelo Grêmio (5) contra o Inter. A quinta palavra mais usada é a polêmica "macaco". Só quem a usa são os times gaúchos: o Grêmio como ataque (31 vezes) e o Inter como defesa (7 vezes).

A anatomia do adversário começa a ser mencionada na quarta palavra mais usada. "Cu", usada especialmente em referência oblíqua a sexo anal, aparece 22 vezes. Grêmio (6), São Paulo (5) e Palmeiras (4) são os times que mais a usam.

"Putos", o sexto palavrão mais comum, só aparece nos cânticos gaúchos. Em gauchês urbano, "puto" significa gay. O Palmeiras usa a palavra "bicharada" 7 vezes. O Grêmio usa a palavra "gay" 4 vezes, algumas delas em insinuações contra Falcão, comentarista esportivo local e craque do Internacional nos anos 70. Já a palavra "bambi", usada especialmente em referência à torcida do São Paulo, aparece três vezes nos gritos da torcida do Palmeiras e uma nos do Santos.

Embora não seja surpresa para ninguém que o vocabulário de arquibancada inclua termos chulos, é importante levar em consideração as consequências da ofensa. Por mais que torcedores digam que a ideia não é ofender, a própria torcedora do Grêmio disse que a ideia era tirar a concentração do goleiro. Para tirar a concentração, precisa irritar. Para irritar, precisa ofender.

Até há pouco, as provocações da torcida levavam a brigas físicas, eventualmente a mortes, mas sem consequências dentro do campo. Agora, podem até prejudicar o time. Pelo jeito, agora ficou sério.


Endereço da página:

Links no texto: