Folha de S. Paulo


Ex-chefe diz que Senna quis parar em 1989 e que piloto achava Schumacher desleal

O Ayrton Senna que morreu há 20 anos na curva Tamburello, em Imola, achava Michael Schumacher desleal, detestava o ambiente da F-1 e hoje estaria aposentado, longe da categoria.

A descrição é feita pelo homem que mais trabalhou com o brasileiro. Que conquistou, com ele, o tricampeonato. Seu patrão por seis das 11 temporadas que disputou. Que o orientou, via rádio, em 96 dos 161 GPs de sua carreira.

E que decidiu calar em 2004, diante de tantos pedidos para que falasse de seu mais famoso pupilo.

Ron Dennis, chefe da McLaren, falou apenas à revista oficial da equipe.

"Ayrton achava que havia pessoas na F-1 que estavam dispostas a vencer a qualquer custo. Não apenas pilotos, mas também integrantes de equipes ou até mesmo escuderias inteiras. E ele achava que Michael se encaixava nessa categoria, de vencer não importando o método... Essa nunca foi a maneira dele ou a nossa de encarar as coisas", revelou Dennis.

"Mas não quero ficar falando sobre isso", completou o inglês.

Naquele início de temporada de 94, o surpreendente ótimo desempenho de Schumacher e da Benetton, então sua equipe, começava a causar estranheza. Após a morte de Senna, no dia 1º de maio, com a disparada do alemão ao primeiro título, as suspeitas de irregularidade ganharam força.

Em pelo menos duas ocasiões, o brasileiro fez questão de mostrar sua opinião sobre Schumacher.

A primeira, no GP da França de 92, quando os dois se tocaram e Senna levou a pior, abandonando a corrida. A outra, na Alemanha, 20 dias depois, após o alemão frear subitamente na sua frente durante um treino. Em ambas, o tricampeão foi até os boxes do novato para tirar satisfações. Da segunda vez, só não o agrediu porque foi contido por mecânicos.

Mas Dennis não falou apenas sobre o alemão. Fez, também, um exercício de futurologia. Para ele, Senna, hoje, estaria longe da F-1.

"Naquela altura da vida, em 94, ele não tinha nenhum plano de parar, mas eu sempre o questionava sobre o futuro, sobre uma possível atuação nos bastidores. Só que o Ayrton estava completamente desinteressado. Ele já estava decidido a voltar para o Brasil quando parasse", declarou. "Já havia começado uma carreira de empresário e tinha um excelente contato com o governo. Seria um executivo magnífico, sei disso."

Segundo o chefe da McLaren, Senna "não gostava do ambiente da F-1 extrapista" e "ficava enfurecido com toda a política, principalmente com as manipulações que o afetavam diretamente".

Juan Esteves - 21.abr.90/Folhapress
Senna conversa com Ron Dennis, principal executivo da McLaren, no autódromo de Interlagos, em São Paulo
Senna conversa com Ron Dennis, chefe da McLaren, no autódromo de Interlagos, em São Paulo

Foi por isso, de acordo com ele, que o tricampeão decidiu parar após perder o título para o rival Alain Prost em 89. Na ocasião, acusou o francês Jean Marie Balestre, então dirigente máximo da F-1, de favorecer o compatriota e precisou se retratar para ser liberado a disputar o Mundial de 90.

"Ali, ele se aposentou. Estava profundamente revoltado com o que considerava uma injustiça e achou melhor parar. Precisei me esforçar muito para convencê-lo a voltar atrás na decisão", disse.

Dennis ainda descreve Senna como alguém que sabia dos riscos da F-1, que conhecia seus limites e que aceitava o perigo se fosse necessário arriscar um pouco mais para buscar um resultado. Mas também como um piloto sensível, que ficava abalado quando um colega sofria um acidente grave.

Exatamente o cenário daquele 1º de maio de 94. Era a terceira etapa do Mundial, e o brasileiro, favorito ao título, ainda não havia vencido. Para piorar, na véspera, assistira à morte de Roland Ratzenberger no treino oficial.

Mas tudo ficou muito pior às 14h12 locais, 9h12 de Brasília, na curva Tamburello. "Ayrton amava correr e não mudaria nada nesse script", concluiu Dennis.

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Texto publicado na Folha na edição de 1 de maio de 2004 e atualizado


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