Folha de S. Paulo


Produtor do filme 'Senna' foca mais na vida do que na morte

O helicóptero desce rapidamente, a sua câmara de televisão seguindo as linhas de uma pista iluminada embaixo, com as palavras "San Marino GP, Imola" aparecendo na tela. Vinte anos após os acidentes fatais da F-1 com Ayrton Senna e o austríaco Roland Ratzenberger no circuito italiano, o momento no premiado documentário "Senna" ainda faz o coração bater mais rápido.

O que se seguiu naquele fim de semana de 1994 e, particularmente, em 1º de maio, quando o brasileiro bateu seu Williams, é tão familiar para a maioria dos fãs da F-11 como o agitar de uma bandeira quadriculada.

Para o roteirista e produtor executivo Manish Pandey, que vai participar de uma exibição de seu filme de 2010, em Imola, nesta semana, como parte dos eventos que marcam o aniversário, o foco será mais na lembrança de uma vida extraordinária do que numa morte trágica.

Em entrevista à Reuters, ele lembrou como o diretor Asif Kapadia lhe perguntou logo cedo o que pretendia alcançar com o filme.

"Eu disse: 'Minha grande ambição para o filme é que, quer você saiba o que aconteceu com ele ou não, você esqueça por um tempo'", afirmou Pandey.

"E é aí que eu acho que o filme é muito bem-sucedido. Mesmo se você sabe, você fica tão preso nele, você meio que esquece. E então, quando, de repente, cita Imola todas as pessoas sabem e isso as toca muito fortemente."

Imola, segundo Pandey, não era um fim de semana que ele particularmente queria lembrar nem era para ser tirada do contexto.

"Você não pode dizer às pessoas como algo grande está perdido, se é homem ou talento ou o que for que você queira descrever assim, até você em primeiro lugar mostrar às pessoas o que era", disse ele.

"Eu acho que um cineasta menos salubre pode muito bem ter ido até a morte de Ayrton Senna. Estou muito feliz que nós seguimos para a sua vida."

JORNADA ESPIRITUAL

O produtor disse que, para ele, o momento mais emocionante do filme não era Imola, mas a vitória de Senna num GP em sua casa, Interlagos, em 1991 - a primeira vitória do tricampeão no Brasil.

Senna, que teve que ser retirado da McLaren após ter levado a bandeirada quadriculada com apenas a sexta marcha ainda em funcionamento, declarou mais tarde: "Deus me deu esta corrida."

"Você vê um homem no topo de seu esporte, você vê o drama do que é ser um piloto de automobilismo...lá o contexto de Imola está corretamente definido", disse Pandey.

"Você pode ver o que ele fez, o que ele passou para ganhar a corrida, o que estava em jogo e qual o contexto. Ele não poderia vir em segundo na corrida. Não nesse ano. Ele teve que vencer e não importava o que foi tirado dele."

Cirurgião ortopédico qualificado, que estabeleceu uma relação imediata com o delegado médico da F-1 professor Sid Watkins, Pandey viu Senna correr apenas três vezes em sua vida e nunca o conheceu. Mas, no entanto, ele era fissurado.

"Fui criado como um hindu e esses valores são muito importantes para mim. Para mim todo o filme é uma metáfora sobre a luta do homem para encontrar Deus. Mas não para encontrar Deus em um outro universo, mas nesta terra.... é uma luta espiritual", disse ele.

"O professor Sid Watkins disse que ele [Senna] teve paz interior."

"Esse homem exatamente no limite, apenas fazendo algo melhor do que ninguém nunca tinha feito antes. E fazendo isso dia após dia, mantendo aquele limite. Para mim é disso que o filme trata."

Uma reunião com o chefe comercial da F-1, Bernie Ecclestone, abriu as portas para um arquivo incrível e abriu caminho para outros. Mesmo assim, levou anos e mais reuniões antes de a família Senna ter certeza o suficiente para dar a sua bênção.

"Eu gosto de pensar o filme como requintado. Acho que essa é uma boa maneira de descrevê-lo. Realmente foi feito um fotograma de cada vez, como marchetaria. É como ver uma linda tela antiga de mármore esculpida em um palácio mongol. Para mim foi realmente artesanal", disse Pandey.

Havia arrependimentos ao longo do caminho, cenas e personagens que tiveram que ficar de fora, e controvérsia depois que o velho rival de Senna, Alain Prost - que havia feito as pazes com o brasileiro pouco antes de Imola,- se irritou com a forma como foi retratado.

Houve também emotividade não intencional, que se tornou visível somente após o filme ter sido exibido para um público brasileiro.

Um momento de comédia acontece quando Senna aparece em 1988 como convidado no programa de Natal organizado para crianças por Xuxa Meneghel, que o beija repetidamente para dar sorte, um beijo para cada ano.

"O número de vezes que vimos o show da Xuxa nós demos boas risadas. Especialmente quando ele dança. O campeão do mundo no palco em um programa infantil, e ele está dançando. Ela está rindo, eles estão de mãos dadas e ele sussurra o que gostaria de fazer", disse Pandey.

Eles não tinham notado algo que Xuxa viu imediatamente e ficou perturbada: "Que eu deveria tê-lo beijado por 94, eu parei em 93", ela disse a um entrevistador de televisão.


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