Folha de S. Paulo


De garoto trapalhão a empresário, conheça mais sobre Ayrton Senna

Quem visse Ayrton Senna com 3, 4 anos de idade mal poderia imaginar que estava ali a versão em miniatura do que viria a ser um dos pilotos mais técnicos da história do automobilismo.

Senna era um trapalhão, segundo sua mãe, Neide da Senna Silva. Não tinha coordenação motora, vivia se esfolando e subir uma escada de três degraus era uma odisseia para o menino.

Sorvete, sua mãe dizia comprar logo dois: um, com certeza, acabava no chão.

A palavra mágica que transformou o trapalhão em atleta que raspava na perfeição foi carro.

Seu pai, Milton da Silva, conta que Senna, aos 7 anos, era capaz de trocar as marchas de um jipe na fazenda em Dianópolis (GO) sem pisar na embreagem, só ouvindo o tempo do câmbio.

Milton ficou assustadíssimo, mas para o bem. Em vez de dar pitos no garoto, foi seu primeiro patrocinador. Construiu um dos primeiros karts de Senna na metalúrgica que tinha em São Paulo.

Arquivo Pessoal
O piloto Ayrton Senna, quando criança, posa para foto ao lado de seu pai, Milton da Silva
O piloto Ayrton Senna, quando criança, posa para foto ao lado de seu pai, Milton da Silva

A PRIMEIRA VITÓRIA

Foi com um kart que Senna começou a reverter o destino de ser o segundo: foi a segunda criança a nascer às 2h35 do dia 21 de março de 1960 na maternidade Pro-Matre de São Paulo e, na escola, nunca esteve entre os primeiros da classe.

No dia 1º de julho de 1973, venceu sua primeira corrida de kart, uma categoria pela qual era apaixonado, a ponto de construir um kartódromo em sua fazenda em Tatuí, a 141 km de São Paulo.

Com um kart, venceria os campeonatos sul-americanos de 1977 e 1978 e os brasileiros de 1978, 1979, 1980 e 1981.

Nos mundiais, sua sorte ainda patinava: foi sexto colocado em 1978, vice em 1979 e 1980, quarto em 1981 e 14º em 1982.

Aos 21 anos, Senna trocou os carrinhos pelos carrões. Foi em 1981 que ele começou a correr pela F-Ford 1600 na Inglaterra e conquistou o título da temporada.

Dali, foi saltando de categorias, sempre com o título de campeão na mão. Venceu os campeonatos inglês e europeu de F-Ford 2000 em 1982 e o inglês de Fórmula 3 em 1983.

Foi neste ano, após vencer seis das oito provas disputadas no circuito de Silverstone, que ganhou seu segundo apelido: Ayrton Senna da Silva virou "Silvastone". Seu primeiro apelido foi dado pelo família: "Beco".

A ESTREIA NA F-1

Em 1983, quando pilotou seu primeiro F-1 num teste para a Williams, Senna já definia o que viria a ser sua marca registrada: a frieza e o senso de cálculo.

"Sou tão calculista que, durante uma corrida, não penso apenas em chegar na frente dos outros -penso no que implicaria uma vitória em termos de repercussão no Brasil, junto à imprensa ou aos patrocinadores. Tudo isso passa pela minha cabeça", contava à época.

Antônio Gaudério - 28.mar.1993/Folhapress
Ayrton Senna comemora a vitória em São Paulo, em 1993
Ayrton Senna comemora a vitória no circuito de Interlagos, em São Paulo, em 1993

Essa frieza toda esbarrou no carro com que começou a correr na F-1, um Toleman/Hart. Logo na estreia, no GP Brasil de 25 de março de 1984, Senna largou em 16º e abandonou a prova. Acabou a temporada de 1984 em 10º lugar.

Senna só encontraria um carro à altura de seu calculismo com outro encontro explosivo na história da F-1: o da experiência da McLaren com a alta tecnologia da Honda.

Foi com um McLaren-Honda que Senna conquistou seus três títulos mundiais, em 1988, 1990 e 1991 (na ocasião, apenas outros cinco pilotos colecionavam três títulos na história da F-1: Jack Brabham, Jackie Stewart, Niki Lauda, Alain Prost e Nelson Piquet).

Senna achava pouco o tri. Sua ambição era chegar ao pentacampeonato até o ano 2000 -marca até então inédita e atingida somente pelo argentino Juan Manuel Fangio nos anos 50.

Reprodução/Instagram/Galisteuoficial
Adriane Galisteu e Senna em imagem postada pela apresentadora em seu Twitter há dois anos
Adriane Galisteu e Senna em imagem postada pela apresentadora em seu Twitter há dois anos

O ENIGMA

Com a fama crescendo à proporção dos títulos que conquistava, Senna teve que travar outra batalha fora das pistas: a que visava preservar sua vida privada.

Ao contrário de Piquet, um playboy expansivo e falador, Senna cultivava a imagem de tímido, recatado e silencioso.

Suas declarações confundiam ainda mais quem tentava cristalizar alguma imagem do piloto.

Quem acreditava estar diante de uma pessoa fria e calculista, Senna contra-atacava com seu lado místico. Dizia que viu Deus em 1988, no dia em que conquistou seu título mundial, no Japão.

Quando todos já haviam se acostumado com sua imagem de bom-menino, Senna despejava sua cólera.

Arquivo-24.mar.1991
Ayrton Senna comemora vitória em 91 em São Paulo; clique na imagem e veja galeria com todos brasileiros que venceram no país
Ayrton Senna comemora vitória em 1991 no GP de Interlagos, em São Paulo

Sua entrevista mais furiosa aconteceu em 1991, logo após conquistar o tricampeonato no Japão em 1991. Gerhard Berger citou o nome de Jean Marie Balestre, ex-presidente da Federação Internacional de Automobilismo e antigo desafeto do piloto brasileiro. Funcionou com uma senha para o ódio do piloto: "Que se fodam as regras que dizem que não se pode dar opinião. Merda, estamos em um mundo moderno e somos pilotos profissionais".

Quando seu rival Nelson Piquet começou a espalhar no final dos anos 80 o boato de que seria homossexual, eis que ele surge com uma das mulheres mais desejadas da época, Xuxa.

Quando os jornais publicam que o namoro com Xuxa seria uma jogada promocional para camuflar seu homossexualismo, Senna esbraveja. "Isso é um desrespeito muito grande".

Solteiro desde 1985, quando divorciou-se de Liliane, Senna dizia namorar a modelo Adriane Galisteu, 21, desde o ano passado.

Casamento não fazia parte de seus planos. "Você não escolhe: vou amar essa mulher, vou casar com ela e ter filhos. Ninguém faz isso, e quem tenta fazer entra pelo cano com certeza", disse em entrevista à revista "Caras".

A FORTUNA

Dúvidas, como a do casamento, Senna não tinha quando assumia sua outra persona: a de piloto que sabe negociar contratos e investir bem tudo que ganha.

Silvio Viegas - 31.jun.1990/Folhapress
Ayrton Senna pilota um jet ski em Angra dos Reis (RJ), em 1990
Ayrton Senna pilota um jet ski em Angra dos Reis (RJ), em 1990

Um levantamento divulgado pela revista "Forbes" no ano passado media com precisão o degrau que Senna se encontrava no esporte: foi o terceiro atleta mais bem pago do mundo ao receber US$ 18,5 milhões.

Só ficava atrás do jogador de basquete Michael Jordan (US$ 36 milhões) e do boxeador Riddick Bowe (US$ 25 milhões), ambos norte-americanos.

Só de um de seus patrocinadores, a Philip Morris, Senna recebeu US$ 11 milhões em 1993.

O dinheiro não ia só para seus negócios, que incluíam empresas de promoções e licenciamento para emprestar seu nome a barco, autorama e até gibi.

Senna cultuava a boa vida: tinha, entre outros bens, um apartamento em Mônaco, uma casa de praia em Angra dos Reis (RJ), uma fazenda em Tatuí (SP), um jato de US$ 8 milhões.

Sua explicação para o sucesso era uma espécie de ovo de Colombo: "Cheguei onde cheguei porque sempre tive os pés no chão".

Reprodução/Memento Exclusives
O Toleman utilizado por Ayrton Senna no GP de Mônaco de F-1 em 1984
O Toleman utilizado por Ayrton Senna no GP de Mônaco de F-1 em 1984

Texto publicado na Folha na edição de 2 de maio de 1994 e atualizado


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