Folha de S. Paulo


É sacanagem falar que fui comprado, diz juiz que libertou corintianos presos

"Já ouvi seu nome [inteiro] no rádio umas 20 vezes, já decorei", ouviu de uma colega no Foro Criminal da Barra Funda terça-feira o juiz Gilberto Azevedo de Moraes Costa, 33, da 17ª Vara.

Na véspera, ele havia assinado a sentença de absolvição de quatro torcedores que invadiram o centro de treinamento do Corinthians em 1º de fevereiro. Três estavam presos.

A denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) os acusava por formação de quadrilha, dano ao patrimônio e constrangimento legal qualificado.

Costa se assustou com a repercussão do caso. "Estou sendo esculhambado. Uma baita confusão por algo simples. Acho sacanagem dizerem que fui comprado, meus amigos me ligaram para contar", disse à Folha.

"Apareceu [na mídia] só a parte final da decisão, mas ela está toda fundamentada", defendeu-se.

Ele considerou que não se tratava de uma quadrilha. "Não houve reunião estável e permanente", interpretou.

O juiz argumentou que os quatro réus não foram apontados como autores das agressões, dos constrangimentos e dos danos.

"Só julgo o que me enviaram. Não puseram que eles roubaram e agrediram, não tem descrição de lesão corporal nos autos. O juiz tem que ser imparcial", alegou.

Ele escreveu na sentença que os acusados, identificados por testemunhas como líderes, "obviamente não são responsáveis por atos de terceiro".

"Pelo que sei, foram mais de cem que invadiram", disse.

Costa rebateu críticas sobre impunidade. "Queriam que ficassem presos? Se pegassem as penas máximas, algo que nunca acontece, algo impossível, ainda assim eles teriam direito a regime aberto, iam ficar na rua", contou.

Ele admitiu que não acompanha futebol. "Antigamente eu dizia que era são-paulino, mas nem sei se o Rogério Ceni ainda está jogando. O Muricy [Ramalho], eu vi que voltou [a treinar o time]", afirmou.

Usando um gesto que aliava contrariedade e decepção, o juiz minimizou o polêmico uso de expressões informais –o que é incomum– na sentença, como "surra" para se referir à goleada de 5 a 1 do Santos sobre o Corinthians. No texto de quatro páginas, também se referiu aos torcedores alvinegros como "fiéis", usando o apelido popular.

"Em suma, tudo não passou de um ato (nada abonador) de revolta dos torcedores. Fiéis que são –e disso a própria equipe se vangloria–, queriam apenas chamar a atenção: fazer com que os jogadores honrassem os salários que ganham", concluiu no documento.

CARREIRA

Tímido, com jeito interiorano, Gilberto Azevedo de Moraes Costa veio trabalhar na capital em julho do ano passado. Está na 17ª Vara desde fevereiro.

Paulistano que estudou em Santos, avisa que seu "sotaque foi do convívio no interior".

Ele iniciou sua carreira de juiz em agosto de 2007, em Mongaguá, no litoral. "Apareceu cada barbaridade lá. Sequestro com morte, latrocínio, homicídio... Mas não tiveram repercussão", disse.

Em seguida, ele transferiu-se para Apiaí. Ainda no Vale do Ribeira, no sul do Estado, passou quatro anos em Registro.

"Eram mais crimes ambientais. Coisa simples. Faziam sem saber que era crime", relatou.


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