Folha de S. Paulo


Manchester de Beckham, Scholes e Giggs é tema de documentário

Conhecida no Brasil sobretudo pela vitória sobre o Palmeiras no Mundial Interclubes de 1999, a "turma de 1992" ("class of 1992") do Manchester United, composta dos jogadores Nicky Butt, os irmãos Phil e Gary Neville, Ryan Giggs, o cerebral Paul Scholes e o célebre David Beckham, teve uma das trajetórias mais vitoriosas da história do futebol inglês.

Foram cinco títulos do Campeonato Inglês entre 1992 e 1999, três da Copas da Inglaterra, além da consagração na Liga dos Campeões da Europa de 1999 após memorável virada nos últimos minutos da final contra o Bayern de Munique. Todos sob o comando de um dos maiores incentivadores desses jogadores, o treinador Alex Ferguson.

Divulgação
Capa do filme
Capa do filme "The Class of 92"

Esta geração é o tema do documentário "The Class of 92", dirigido pelos irmãos britânicos Ben e Gabe Turner e lançado na Inglaterra em dezembro de 2013.

Por meio de entrevistas com os próprios jogadores, além de nomes como Zinedine Zidane, Eric Cantona, o cineasta Danny Boyle (de "Trainspotting") e o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair, o filme procura mostrar como foi possível o surgimento de uma geração impressionante de jogadores em Manchester.

Oriundos das classes operárias britânicas, os seis garotos conviveram desde jovens nas categorias de base do Manchester United, e o filme mostra o período de otimismo generalizado em meio ao qual eles cresceram na cidade, e do qual eles foram parte importante.

O governo de Margaret Thatcher chegava ao fim, e a cultura de Manchester florescia -bandas locais como Oasis e Stone Roses ganhavam o mundo, e os jogadores interagiam com esse contexto, levando adiante a empolgação local.

No filme, Mani, à época baixista dos Stone Roses, menciona as vezes em que encontrava Giggs comemorando vitórias do clube em shows pela cidade.

Em entrevista por e-mail à Folha, um dos diretores, Ben Turner, conta como se deu a aproximação de jogadores tão consagrados, revela o comportamento "surpreendente" dos jogadores durante as filmagens e dá seus palpites em relação à campanha inglesa na Copa do Mundo deste ano.

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Folha - Como foi o processo de fazer o filme?
Ben Turner - Como fanáticos por futebol que cresceram assistindo a esses jogadores, não conseguíamos acreditar na nossa sorte de passar tanto tempo com eles. A ideia inicial partiu deles, que gostaram de um filme que dirigimos sobre Laurie Cunningham, o primeiro jogador negro da seleção inglesa. Estávamos preocupados com as entrevistas, pois eles já haviam sido entrevistados milhões de vezes. Pensávamos que seria difícil tirar qualquer coisa interessante deles, mas creio que era o momento ideal, pois todos (exceto Giggs) haviam acabado de se aposentar e estavam prontos para reavaliarem suas carreiras.

O filme coloca a geração de 1992 como parte de um contexto cultural e político mais amplo. Como era Manchester na década de 1990?
Foi um período muito especial para a cidade, comparável a Liverpool nos anos 1960 - ainda que os Beatles tenham sido um fenômeno tão global que acho que transcende tudo isso. Durante o tempo em que Margaret Thatcher ficou no poder, a Inglaterra ficou muito dividida em termos de classe e de geografia. Londres se tornou (e continua sendo) como que um lugar separado do resto do país, e Manchester teve um papel importante ao se contrapor a isso. Comentou-se muito a cena musical de Manchester, e como ela impactou o futebol de alguma forma. As pessoas passaram a consumir ecstasy nas casas noturnas ao invés de beber e brigar nas ruas, comportamento associado ao hooliganismo, que decaiu na época, por exemplo. Os jogadores do United viveram esse momento e participaram do crescimento local. Da mesma forma que o clube levava adiante o nome de Manchester e da Inglaterra, também a cultura de "Madchester", como ficou conhecida a cena musical local, afetou o país inteiro.

Como explicar o surgimento de uma geração de jogadores tão talentosos nas categorias de base do Manchester United?
Acho que é uma combinação de sorte e boa administração. Eles mantêm até hoje o mesmo sistema nas categorias de base e nunca tiveram outro grupo de jogadores como aquele. Achei interessante como o time profissional esteve envolvido no desenvolvimento desses jogadores. Eles participavam de partidas amistosas com jogadores como o meia Bryan Robson, e lendas como Bobby Charlton sabiam quem eles eram e ajudavam com conselhos. Todos esses jogadores já torciam para o Manchester United quando garotos, e o clube tinha uma noção muito clara de sua identidade e soube moldá-los a ela.

Eles jogaram juntos desde garotos e permaneceram no mesmo clube por muitos anos. O quanto isso contribuiu para o sucesso dessa geração?
Contribuiu muito. Todos eles conheciam bem o esquema de jogo do time, então eles sabiam o que era esperado deles e o que esperar dos companheiros. Eles dizem que havia um éthos no clube, que eles aprendiam ao ver o time profissional jogar. Além disso, eles eram grandes amigos, e o espírito de equipe fez muita diferença nas conquistas dessa geração. Eles viraram muitas partidas, especialmente na temporada de 1999, e o fato de acreditarem uns nos outros e se ajudarem levou aquele time a superar seus limites seguidas vezes.

Houve algo de surpreendente nas personalidades dos jogadores?
Ficamos surpresos por Giggs ser tão engraçado. Sua imagem na Inglaterra é a de uma pessoa sem graça, mas isso é intencional da parte dele, para preservar sua vida privada. Ficamos preocupados de Scholes ser ranzinza, mas ele apenas quer manter sua privacidade. Ele é tímido, mas tudo bem, afinal, ele é um gênio do futebol [no filme, Zidane reverencia Scholes, dizendo que foi um dos maiores que viu jogar]. Beckham é incrivelmente humilde. É difícil acreditar que alguém tão famoso como ele seja tão atencioso com todos ao redor dele. Como todos eles, aliás, o que também é uma razão para o sucesso que fizeram.

No Brasil, associamos essa geração do Manchester United à vitória sobre o Palmeiras na final do Mundial Interclubes de 1999. Esse título não aparece no filme. A repercussão foi menor na Inglaterra?
Para falar a verdade, acho que foi um pouco menor, sim. Na verdade, repercutiu muito a viagem que o United fez no ano seguinte para o Brasil [para jogar o Mundial de Clubes da Fifa], pois ele abriu mão de defender o título da Copa da Inglaterra. Eles foram eliminados muito cedo da competição e foi dito que Alex Ferguson foi ao vestiário após o jogo, disse que eles deveriam aproveitar bem os próximos dias de descanso no Brasil, pois teriam que vencer o Campeonato Inglês senão estariam todos demitidos.

Neste ano, a Inglaterra vai jogar a Copa no Brasil. Não há mais jogadores da geração de 1992 na equipe - todos já se aposentaram, exceto Ryan Giggs. Quais são as suas expectativas em relação ao desempenho da Inglaterra no torneio?
Desta vez as expectativas na Inglaterra estão bem baixas. No passado, especialmente quando estes jogadores estavam no time, os torcedores tinham expectativas muito altas e ficavam muito desapontados quando eles rendiam abaixo do esperado. Hoje, não achamos que o time é bom, mas talvez isso os ajude a ter uma campanha melhor. Alemanha e Espanha são muito fortes, e claro, a Copa é no Brasil e vocês sempre têm um grande time. Não vejo muito como a Inglaterra poderá ganhar, mas nunca se sabe, nem sempre é o melhor time da competição que vence - mesmo que normalmente o Brasil ou a Alemanha ganhem no final.

The Class of '92
Diretores: Ben Turner e Gabe Turner
Disponível em Amazon.co.uk
Preço: £12,99 (R$ 52)


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