Folha de S. Paulo


Rússia debate custos de Jogos de Inverno

Com os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi prestes a começar, a Rússia está finalmente debatendo o custo do evento, celebrado como um momento triunfal do país no cenário internacional, mas ridicularizado como um bacanal de desperdício e corrupção.

O presidente Vladimir V. Putin incitou o debate ao declarar recentemente a âncoras de televisão que a Rússia havia gasto apenas 214 bilhões de rublos, ou cerca de 7 bilhões de dólares, para erguer as instalações esportivas dos Jogos. E menos da metade disso, segundo ele, eram gastos do governo.

Outros, porém, dizem que esses números foram grosseiramente subestimados por Putin. Um grupo liderado pelo blogueiro Aleksei A. Navalny, que combate a corrupção no país e se tornou um dos mais proeminentes críticos do Kremlin, tem narrado os gastos da Rússia com os Jogos de Inverno.

Os números declarados por Putin, segundo Navalny, eram "uma mentira totalmente absurda". Esse valor não só é de apenas um décimo dos gastos que foram amplamente divulgados, como também é bem inferior aos 12 bilhões que Putin prometeu gastar com os Jogos em 2007 ao apelar para que o Comitê Olímpico Internacional escolhesse Sochi.

Originalmente, Putin chamou o projeto de "o maior canteiro de obras do planeta", mas a questão do custo agora parece ter se tornado politicamente delicada.

As autoridades daqui têm argumentado que os bilhões destinados a projetos como a nova usina energética próxima à Vila Olímpica ou a nova estação ferroviária adjacente não devem ser contabilizados como despesas olímpicas, mas sim como parte de um projeto mais amplo de estímulo econômico para reconstruir o resort que fica entre as montanhas e o Mar Negro.
Para os críticos, Sochi se transformou em um projeto de vaidade exorbitante, destinado a consolidar o legado de Putin.

"Na verdade, parece que algum faraozinho vingativo está construindo a maior pirâmide do mundo para si próprio", disse Navalny. "Só assim podemos explicar a megalomania".

De acordo com cálculos do grupo, a Rússia gastou mais de 1,5 trilhão de rublos na Olimpíada, o que, na taxa de câmbio de hoje, em queda, equivaleria a pelo menos 48 bilhões de dólares -mais do que a China gastou nos Jogos Olímpicos de Verão de 2008, evento muito maior.

Esse valor é próximo de uma estimativa de 50 bilhões de dólares que autoridades russas daqui divulgaram há um ano e, em seguida, desmentiram rapidamente. De acordo com a análise do grupo, menos de 4% da despesa total veio de empresas privadas.

Dmitri A. Medvedev, ex-presidente e hoje primeiro-ministro, disse à CNN em 22 de janeiro que o valor mais alto, de aproximadamente quase 50 bilhões de dólares, estava correto, mas contestou as acusações de desperdício excessivo ou corrupção.

"Não há dados sobre se a corrupção relacionada aos Jogos Olímpicos é significativamente maior do que o nível médio de corrupção no país", declarou.

Segundo Mikhail G. Delyagin, economista baseado em Moscou, os Jogos, como regra, raramente se mostram o motor da recuperação econômica que as autoridades alegam que eles são.

"A situação em Sochi é de fato positiva, pois lá não havia sequer um sistema de esgoto normal", disse, "mas não se deve esperar que esses resorts recuperem o investimento".

Navalny conta que o governo também investiu pesado em edifícios que não tinham nada a ver com a Olimpíada ou com o futuro do turismo em Sochi. Eles incluem novas residências para Putin, uma igreja na Vila Olímpica e resorts para várias agências, como o Ministério Público e o Serviço Federal de Segurança.

"Sob o pretexto dos Jogos de Inverno, eles fizeram um resort magnífico para aqueles que acabaram na 'lista de Magnitsky' e não podem sair do país", disse ele, referindo-se às sanções americanas aplicadas sobre certos russos.

Recentemente, Steve Rosenberg, jornalista da BBC, divulgou imagens do banheiro masculino do Centro de Esqui Cross-Country e Biatlo Laura. Em um dos banheiros, com azulejos elegantes, havia dois vasos, lado a lado.

A imagem parecia um "pas de deux" combinando design pobre e desperdício que, por um momento, tornou-se um símbolo de todo o empreendimento.

Andrey Miroshnichenko, analista independente de mídia, questionou se o relato de Navalny pode realmente vir a estimular um debate significativo e observou que os gastos excessivos e a corrupção são tomados como dados. "Todo mundo sabe como os negócios são feitos aqui", disse ele.

"A dispendiosidade é considerada uma forma de redistribuir a riqueza do Estado."

Colaborou Andrew Roth

Mikhail Mordasov-14.jan.2014/AFP
Vista do Parque Olímpico de Sochi
Vista do Parque Olímpico de Sochi

Endereço da página: