Folha de S. Paulo


'Depois da Copa, estou na lista para a seleção', diz Tite

Faz quase três semanas que Tite sabe: não continua no Corinthians. Normalmente, com o time sem aspirar mais nada no Campeonato Brasileiro, o clima poderia ficar melancólico.

Não. O treinador faz longa turnê do adeus. Despediu-se da torcida sábado, no Pacaembu. Não queria, mas chorou em campo. Domingo,contra o Náutico, será a última partida desde que foi contratado, em outubro de 2010.

Relaxado após jogar partida com integrantes da comissão técnica, ele recebeu a Folha nesta terça-feira para falar da passagem pelo clube.

Vinicius Pereira1º.dez.2013/ Folhapress
O técnico Tite, do Corinthians, emocionado durante sua despedida do Pacaembu
O técnico Tite, do Corinthians, emocionado durante sua despedida do Pacaembu

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Folha - Sente tristeza por sair após três anos?
Tite - Humanamente, sim. Não vou contra os meus sentimentos. Profissionalmente, foi tomada uma decisão.

E se o presidente do Corinthians mudasse de ideia e pedisse para você ficar?
Não me coloque nesta situação, por favor.

Você já havia passado por processo de demonstração de amor deste tamanho?
Nessa dimensão, não. Com essa grandeza, não.

Nas últimas semanas, poderia haver um clima de "fim de feira". O Corinthians não tinha aspirações, mudaria toda a comissão técnica e jogadores devem sair. Mas foi um período muito intenso.
Eu confesso que a real dimensão disso tudo é quando vou para casa, leio, vejo e ouço as coisas. Na terça-feira da semana passada, me disseram que já tinham milhares de ingressos vendidos para o jogo contra o Internacional. Você começa a receber telefonemas, e-mails. Você vê a dimensão das coisas. Minha mulher estava no estádio e me disse que a torcida nem assistiu ao jogo. O pessoal não falava do jogo, do Inter, do Corinthians. Primeiro, era o Alessandro, depois o Tite, depois aplauso. Isso é muito grande. É muito além do que eu poderia imaginar.

Você tentou ser profissional e fazer o time ganhar. Foi difícil se concentrar no trabalho?
Foi. Foi muito difícil. O Alessandro disse: parece que joguei quatro tempos. Eu senti o mesmo. Foi difícil pensar no jogo. Disse para a comissão técnica, ainda no vestiário: hoje eu vou precisar de vocês mais do que nunca. Não estaria 100% concentrado para fazer uma mudança. Estava muito disperso, muito aéreo. Quando a torcida começou a cantar, aos 35 minutos do segundo tempo, eu me vi voltando para o banco, com os olhos cheios de lágrima. Por um pouco de vergonha, de machismo mesmo, não queria chorar. Ergui a mão. Mas eu olhei para o campo e pensei: quero ganhar. Foi difícil.

É verdade que você pretende ficar de férias até a Copa do Mundo e espera depois ser o técnico da seleção brasileira?
Tenho consciência de que estou valorizado. É um fato. Sei que isso me credenciou ao primeiro escalão dos técnicos brasileiros. Depois da Copa, estarei na lista dos cinco cotados para assumir a seleção. Mas existe a necessidade de estar bem, com bons trabalhos. Aprendi a cuidar do próximo passo. Mas eu preciso dar para a minha família, no mínimo, três meses.

Os títulos vencidos no Corinthians serão parâmetros para seus próximos trabalhos?
Nunca, em lugar nenhum, vai ter período de conquistas como esse. Nem mesmo para mim. Eu tenho coragem de dizer isso. Não consigo.

Mas é possível você voltar para o Corinthians, por exemplo, ou ir para outro clube e não criar essa expectativa?
Pode ter, mas estou falando para todo mundo. O clube que vier me contratar com a expectativa de que eu repita o que fiz aqui no Corinthians, esquece. Não me contrata. Esse período foi mágico. Não vão atrás do Tite achando que eu tenho a fórmula. Eu não tenho, não.

Que conselho deixa a Alexandre Pato para o próximo ano?
Para jogar no Corinthians, é preciso se adaptar às características do clube. O Corinthians tem a sua história. Aceita e quer jogadores com competitividade. Que façam faltas, deem carrinhos, levem cartão amarelo. Disse ao Pato: "se o cara te der porrada, mete o dedo na cara dele." Tem de sujar o calção. Eu falei a ele tudo isso.

E qual foi a reação dele?
Concordou.

Resumindo: é mostrar mais raça para a torcida?
Sim. Eu o liberei para tomar cartão amarelo. Teve um jogo em que veio reclamar no intervalo que estava levando porrada. Eu disse: "pode dar o troco. Está liberado."

No pênalti contra Grêmio, que foi fatídico até agora na passagem dele, faltou um pouco de malandragem para o Pato? Talvez para perceber que poderia errar, mas teria de ser chutando forte?
O que eu tinha para falar, falei para ele. Assim como já tinha feito com outros. Tive conversas com Fabio Santos, Paulo André, Chicão, Danilo, Cássio, Alessandro, Paulinho, Bruno César, Dentinho, Ralf... Todos estavam em algum momento se desviando e eu chamei para orientar. Chamei Ronaldo depois do jogo diante do Tolima. Tivemos uma conversa. Disse que ele precisaria fazer um recondicionamento para que pudesse ter um mínimo de condição física. E potencializar a qualidade técnica. O Ronaldo é direto e perguntou: "professor, eu sou o único problema do time?" Respondi: "não. Comecei contigo justamente para não te sensibilizar, não parecer que estou te alisando. Comecei por você justamente para ser honesto e direto. Mas se você quiser saber qual o problema do time, eu digo. Preciso reorganizar taticamente a equipe porque o Elias saiu e o o meio-campo está desorganizado. Temos problemas físicos com Jorge Henrique, Dentinho, entre outros, Então, estou falando isso para não ser falso contigo." O Ronaldo consentiu.

Ele não disse, naquele momento, que iria parar de jogar?
Não. Isso levou em conta outros aspectos da vida dele. Mas ficou essa relação de lealdade. A ponto de, recentemente, quando eu estava nessa indefinição, ele ligar para o Caio (Sampaio Mello, fisioterapeuta) e dizer: "cara, estão malucos? Vão tirar o Tite? Como pode isso?" Apesar disso, depois que saiu do clube, nós nunca mais conversamos.

Você tentou ter esse tipo de conversa com o Adriano?
Sim. Tive conversa paternal, como amigo, como chefe, como técnico, como cara que tem o poder, como autoritário, do embate, com mais cinco pessoas em volta... Nada deu certo.

Você teve momentos difíceis. Alguns jogos entram para a história como momentos em que o Tite poderia ter sido demitido. Como o clássico contra o Palmeiras, logo depois da derrota para o Tolima (Libertadores de 2011). Em algum momento pensou: não sei se vai dar para continuar aqui?
Todas as histórias vencedoras passam por momentos difíceis. Os roteiros de títulos e as biografias que leio de grandes campeões mostram instantes cruciais. Todos os títulos que conquistei também. Aqui aconteceu. Aquele jogo contra o Palmeiras, depois do Tolima, foi emblemático. Um mau resultado ali, me deixaria na berlinda.

Sua passagem pelo Corinthians ficou marcada também por frases ou palavras, não? Como o "fala muito". A "treinabilidade" que, no começo, te irritava, mas depois começou a divertir. Foram coisas propositais?
Eu tenho dimensão na medida em que falo com a imprensa, saio à rua e ouço as pessoas. Sou surpreendido a cada momento, a cada situação porque as pessoas se lembram. Todas as frases brotaram de forma sincera. O "fala muito" foi porque ele (Luiz Felipe Scolari) estava coagindo o árbitro e eu disse que toda hora era a mesma história. Toda hora chorando... Foi quando falei: "Pô, tu fala muito. Fala muito!"

O que pretende fazer nesses três meses em que estará de férias?
Três meses é um pedido da minha mulher. Ela sabe que eu estarei chutando as paredes, chato, reclamando... Vou estar insuportável. Mas ela me disse que montaria o roteiro. Uma hora vamos ver a família, depois vamos ver os filhos... Eu devo a ela uma viagem a Fernando de Noronha. Há também um passeio na Argentina que estávamos marcando quando veio o convite para trabalhar nos Emirados Árabes (em 2009). Tem uma listinha do que eu devo a ela. Chegou a hora de pagar. Quero conversar com Zagallo e (o técnico argentino Carlos) Bianchi e fazer o curso da Uefa. No ano passado, foi em fevereiro. Vou ficar uns 40 dias por lá. Meu esquema é levar minha mulher para Portugal, alugar um apartamento e fazer o curso.

Tite, vou citar cinco jogos e gostaria que você comentasse o que sentiu logo após as vitórias ou derrotas.
Vamos ver. Vou dizer a primeira coisa que vier à cabeça.

Tolima (Libertadores de 2011).
Medo e alívio. Medo de o trabalho ser interrompido e alívio quando o presidente veio e disse: vamos continuar.

Palmeiras, o jogo seguinte ao Tolima (Campeonato Paulista de 2011).
Orgulho. Tanto meu quanto da equipe. Os jogadores responderam. Era para ter tomado 4 a 0 se não tivesse um time com alma. Era o que todo mundo achava que ia acontecer.

Vasco (Libertadores de 2012).
A maior demonstração da força de uma equipe. Quando sai o gol, todos os que estão em volta saem correndo para abraçar o Paulinho e fazem um círculo. Havia a paixão do torcedor misturada com loucura na arquibancada. O adversário mais forte, mais competitivo, mais consistente naquela Libertadores, era o Vasco. Tecnicamente, era o Santos. Mas o Vasco era o nosso principal rival. Falei isso para o Ricardo Gomes e para o Cristóvão (Borges). Se o Corinthians não fosse campeão, seria o Vasco. O Santos estava muito badalado, estava na mídia toda hora, mas estava sem força, sem pegada. Quando ganhamos do Santos na Vila, meu sentimento foi que éramos campeões.

Boca, em La Bombonera (Libertadores de 2012)
(Longa pausa) Eu e o Romarinho fomos iluminados. Foi muito difícil cortar o Willian do banco e deixar o Romarinho. O Willian havia sido campeão brasileiro. Para você ver o quanto o momento é importante e o quanto eu julgo independentemente da relação de amizade. Eu olho o lado técnico. O Romarinho vinha de um clássico contra o Palmeiras fazendo dois gols, em instante de confiança. O Willian não estava legal.

Se o Romarinho não tivesse feito dois gols na partida anterior à final, contra o Palmeiras, você o teria colocado no banco em La Bombonera?
Talvez não.

E se o Romarinho não fosse tão desligado, ele teria feito o gol daquele jeito, dando só um toque por cima do goleiro, naquela situação decisiva?
Ele foi iluminado e meio maluco para fazer aquilo. Foi o segundo toque na bola dele no jogo. Mas aquilo é talento. Não é por acaso. É recurso técnico.

O último jogo da lista: Chelsea (Mundial de Clubes de 2012)
A primeira coisa que me vem à cabeça sobre o Chelsea foi o orgulho que eu vi no rosto de muita gente. Porque nós jogamos, enfrentamos, fomos melhores e vencemos. Ter vontade é ter coragem. Nós tivemos muita coragem. Foi emblemático, antes da final do Mundial, ter reunido todos os jogadores para dizer que se íamos ganhar ou perder, não importava. Nós teríamos a coragem de ir para cima dos caras. Perder faz parte do jogo. Se tivesse de dar uma caneta no adversário, era para dar. Se tivesse de jogá-lo na pista, era para jogar.

Você ficou chateado com o Mano Menezes?
Tenho bom relacionamento com o Mano. Não estou preocupado se houve acerto dele com o Corinthians antes. Não julgo. No travesseiro, sou eu comigo mesmo. Eu com a minha consciência. Sou eu e meu ego. Eu e a sensação de justiça que tenho comigo. E cada um tem a sua.


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