Folha de S. Paulo


Lenda de gol impossível marca centenário do XV de Piracicaba

"Faltavam três minutos para o fim do jogo e estávamos perdendo por 2 a 1. Teve então um escanteio, e eu cobrei. Bati na bola e fui correndo para a área para pegar o rebote. Mas estava ventando um pouco. Quando vi, antes de a bola bater em alguém, cabeceei. Caí com ela dentro do gol."

O ex-atacante José Maria Cervi, o Russo, 86, descreve o lance mais pitoresco e lendário da história do XV de Piracicaba, que completou cem anos anteontem.

Hoje advogado, Cervi jura que o estádio Roberto Gomes Pedrosa, em Piracicaba (SP), viu em 28 de agosto de 1949, no empate de 2 a 2 com o Santos, um "gol impossível, que nem Maradona e Pelé fizeram".

O único gol desse tipo registrado em vídeo só mesmo na ficção. Didi Mocó, personagem de Renato Aragão, bateu o escanteio e cabeceou em "Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986)", que teve a participação de Pelé.

"Não estou esclerosado. O impossível aconteceu. Só o Russo fez isso", afirma, em terceira pessoa, Cervi, que classifica a história de um gol semelhante marcado em 1954 pelo Nueva Chicago, de Buenos Aires, de "invenção de argentinos invejosos."

Como uma boa lenda urbana, seja verdadeira ou fantasiosa, não faltam testemunhas para comprová-la.

"Cada um conta uma história, mas muita gente na cidade viu. O campo era pequeno, a bola, de capotão, mais influenciável pela ação do vento", diz o historiador do XV de Piracicaba, Rui Kleiner.

"Ouço essa história desde que passei a frequentar as arquibancadas, aos dez anos. Meu pai diz que estava no estádio e que é verdade. Tinha de ser no XV, o clube mais caipira do Brasil", reforça o presidente Celso Christofoletti.

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
José Maria Cervi, 86, ex-jogador do XV de Piracicaba
José Maria Cervi, o Russo, 86, ex-jogador do XV de Piracicaba

O jornalista da TV Globo Léo Batista, 81, então narrador de uma rádio de Piracicaba, diz ser testemunha da história. Via assessoria de imprensa da emissora, confirmou o feito e afirmou que os "jogadores do Santos queriam matar o árbitro inglês".

Segundo Cervi, Mr. Snape, um dos juízes estrangeiros importados para trabalhar no Paulista daquele ano, deveria ter anulado seu gol.

Afinal, ele deu dois toques seguidos na bola, o que a regra do futebol não permite. Mas o árbitro, que mal arranhava o português, não entendeu o que aconteceu nem as reclamações santistas.

Já relato da partida na "Folha da Manhã", jornal do Grupo Folha criado em 1925, desmente o feito. Segundo a reportagem, Russo realmente fez o gol de empate, mas quem cobrou o escanteio foi o jogador Gatão.

A ciência não diz que o fato seja impossível, mas bem complicado.

"Não dá para falar que é mentira, mas precisa de uma mágica muito grande. Se aconteceu, foi graças ao vento e ao efeito da bola", disse o professor Francisco Eduardo Guimarães, do Instituto de Física da USP.

Editoria de Arte/Folhapress

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