Folha de S. Paulo


Após 50 anos, Mengálvio ainda reclama autoria de gol no Mundial de 1963

Há 50 anos, Mengálvio Pedro Figueiró, 73, um dos bicampeões do mundo pelo Santos em 1963 e que tem 371 jogos e 28 gols pelo clube alvinegro, tenta desfazer uma polêmica.

Teria sido dele ou de Almir um dos quatro gols do time no segundo jogo da final de 1963, que terminou com vitória por 4 a 2 para o Santos, no Maracanã?

"Claro que foi meu, de cabeça e na forquilha", diz o ex-meia, que tem 1,79 m e durante uma das fases do time compôs o famoso ataque com Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.

Os companheiros daquele título confirmam a versão de Mengálvio, apesar de os jornais da época, como a Folha, creditarem o gol para Almir.

Acompanhe esta história na quarta reportagem especial sobre o título de 1963.

*

Folha - Afinal, o segundo gol na vitória por 4 a 2 foi seu ou do Almir?
Mengálvio - Muita gente tem essa duvida até hoje [risos], mas quem fez o gol fui eu. Não vai tirar ele da história depois de 50 anos [risos].

Como foi esse gol?
O Milan tinha um sistema defensivo bem forte. Usavam o [zagueiro] Maldini como líbero. Num escanteio, pensei em ficar com ele para atrapalhá-lo. A bola veio na nossa direção e, como sou alto, pulei com ele e mandei a bola na forquilha. Aí foi uma festa.

MAIS BICAMPEÕES

Apesar de integrar a linha de ataque mais famosa do mundo, você tem poucos gols [28] pelo Santos, não é?
Eu era um meia que não era muito ofensivo. Nesse jogo contra o Milan tive a intuição de ir para cima do Maldini. Pulei com ele e fiz o gol. Mas fiz poucos gols mesmos. Nosso grande capitão Mauro Ramos de Oliveira sempre falava: 'Mengálvio, nós temos um ponta direita que faz gol, um centroavante que faz, um meia esquerda que faz gol, um ponta esquerda que faz gol. Não há necessidade de você atacar tanto. Fica mais atrás'.

Independentemente da polêmica do gol, os jornais da época citam Almir como um dos protagonistas?
E ele foi mesmo. Ele substituiu o Pelé nos dois jogos no Maracanã e entrou com muita garra. Lembro quando deixamos o vestiário para o segundo tempo no Maracanã, perdendo de 2 a 0, o Almir chegou até mim, apertou meu braço e disse 'Nós temos de ganhar'. Apertou tanto que até reclamei [risos].

Dizem que ele foi um dos que abusou da violência. É verdade?
Ele até abusou um pouco mesmo. Ele tinha jogado na Itália e não foi aproveitado, aí ele queria provar o valor dele. Abusou da violência e o Trapattoni foi um dos que passou pior com o Almir. Mas o que a gente podia fazer? É o futebol. Quando não dava para ganhar na técnica, tinha de ganhar na técnica e na raça.

Foi assim no pênalti que ele sofreu no 3º jogo, no triunfo por 1 a 0, no Rio?
Sem dúvida. Foi um lançamento para o Almir, aí o [zagueiro] Maldini foi fazer a cobertura e levantou a perna. O Almir meteu a cabeça, mas ele foi mais para cabecear o pé do Maldini do que a bola [risos]. Ele foi corajoso, era um jogador corajoso e que não gostava de perder. Almir Morais de Albuquerque. Nunca esqueço esse nome.

O Amarildo, do Milan, também é destacado pelos jornais. Dizem que ele provocou muito o Santos após o Milan vencer na Itália por 4 a 2. Foi isso mesmo?
Tudo ajudou para ficarmos mais motivados. O Amarildo era um jogador valente e como sabíamos da qualidade marcamos forte, especialmente o [lateral direito] Ismael. Tanto que o Amarildo pediu minha ajuda. Disse 'Mengálvio, o que está acontecendo?'. 'Como assim?', respondi. 'Mengálvio, olha o Ismael aqui?'. 'Não sei de nada, se vira' [risos].

Tem alguma lembrança mais forte daquela conquista em 1963?
O bi mundial representou muito. Já tínhamos sido campeões em 1962 com o Benfica, mas não tínhamos tido a oportunidade de jogar a final aqui como foi em 1963. E o Santos naquela época não tinha a torcida que tem hoje. O que mais marcou foi a grande presença da torcida no Rio. Isso ninguém esquece. Ninguém imagina que em dois jogos com o Milan tivesse 300 mil pessoas no Maracanã [na soma de cada jogo]. Foi uma atitude correta da diretoria e da comissão técnica levar o jogo para lá. Outra decisão acertada: nos fomos quase 15 dias para lá. A preparação foi intensa e nos ajudou.

Foi sua maior conquista então?
Minha carreira como jogador teve muita alegria e pouca tristeza. Fui na Copa do Mundo de 1962, como reserva do Didi, e fui campeão. Depois bicampeão [do mundo] com o Santos. Em certos anos eu não ligava para isso, não dava muita importância. Mas depois que vi o Grêmio ser campeão mundial [1983] e vi o torcedor gaúcho da maneira como eles estavam a minha ficha caiu. Puxa vida, tive dois títulos do Mundial pelo Santos e aí comecei a me valorizar. Não sou mascarado nem nada, mas procurei valorizar mesmo. Quando torcedor vem me pedir alguma coisa procuro dar a maior atenção e fico feliz.

Sempre houve reconhecimento pelo bicampeonato do Mundial?
Agora eu tenho, mas antes o pessoal não ligava muito. Hoje em dia a divulgação, a presença da gente é valorizada. Qualquer lugar que vou é difícil alguém não me reconhecer. Qualquer lugar que eu vou as pessoas olham e vem conversar. E agora as pessoas reconhecem ainda o sucesso daquela geração.

Como foi vestir a camisa do time reconhecido como o melhor do mundo?
Passaram grandes jogadores pelo Santos. O clube sempre teve times bons, mesmo antes da minha geração. O Santos só foi reconhecido mundialmente depois dos anos 1960, com minha turma. Antes, era só no Brasil. Fora não tinha tanto valor. Esse reconhecimento fomos nós que adquirimos, sem desmerecer os nomes do passado.

Como avalia o Santos na sua vida?
Foi Deus que me colocou aqui. Em toda a profissão é preciso ter qualidade, mas também é preciso ter estrela. E Deus me colocou aqui. Cheguei na hora certa aqui para substituir o Jair Rosa Pinto, um excelente meia que estava se aposentado. Tinha só uma vaga e era essa. Se o Jair continuasse a jogar, eu não ia ter espaço nunca.

Tem saudade daquela época?
Cheguei ao clube com 21 anos. Peguei um pessoal bom para jogar junto. O Pelé já estava estourando. Tenho saudade e fico feliz e contente de ter boas histórias para contar.

Editoria de Arte/Folhapress
Infográfico mostra como estão hoje jogadores que conquistaram o título do Mundial de Clubes em 1963
Infográfico mostra como estão hoje jogadores que conquistaram o título do Mundial de Clubes em 1963

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