Folha de S. Paulo


Expulsão de campeão olímpico búlgaro que foi preso no Brasil causa imbróglio diplomático

Essa é a história de um astro que foi do Olimpo do esporte às grades de uma prisão no interior de São Paulo, ficou detido por anos em regime fechado e voltou ao noticiário há menos de um mês, quando foi expulso do país. Não bastasse isso, o imbróglio que protagonizou culminou em uma crise diplomática internacional.

O personagem central é Galabin Boevski, que construiu durante e depois de sua carreira um roteiro de cinema.

Astro do levantamento de peso, o búlgaro lapidou sua reputação com dois títulos mundiais e um ouro olímpico nos Jogos de Sydney, na Austrália, em 2000.

Pouco antes disso, já era badalado. Em 1999, quando registrou seis novos recordes mundiais, foi eleito a personalidade esportiva do ano em sua pátria.

Robson Ventura - 7.dez.11/Folhapress
Galabin Boevski em foto de 2011, quando ainda estava preso na Penitenciária de Itaí, a 287 km de São Paulo
Galabin Boevski em foto de 2011, quando ainda estava preso na Penitenciária de Itaí, a 287 km de São Paulo

Durante anos, carregou o status de lenda da categoria até 69 kg, na qual amealhou suas principais conquistas.

O sucesso no arranco e no arremesso impulsionou sua fama. Logo após a Olimpíada de Sydney, então com 26 anos, viveu dias de pop star em seu país natal. Era figura fácil em programas de televisão, esportista número 1 em solicitação de entrevistas, ídolo nacional. Uma referência.

O enredo desse filme de sucesso começou a dar uma reviravolta há dez anos. O conto de fadas ficou agridoce.

Boevski foi flagrado em exame antidoping em 2003. Na temporada seguinte, falhou novamente em um teste e sua carreira praticamente acabou: levou uma suspensão de oito temporadas.

A aura em torno do superatleta, que já era reduzida, virou pó há dois anos.

PRISÃO

O dia era uma terça-feira, 25 de outubro de 2011. Boevski, o astro búlgaro cuja credibilidade já fora maculada, estava prestes a deixar o Brasil após sua primeira viagem ao país.

O motivo de sua passagem pelos trópicos foi acompanhar a filha, Sarah, em um torneio de tênis em Itajaí, Santa Catarina.

Prestes a embarcar em um voo para Madri no aeroporto internacional de Guarulhos, foi interceptado por agentes da Polícia Federal.

Enquanto passava pelo raio-X, foram descobertos nove quilos de cocaína em uma de suas malas. "Quando a polícia chegou, achei que fosse blitz de rotina. Não sabia de nada, minha filha chorou", contou em entrevista ao jornal "Agora", em dezembro de 2011.

A adolescente foi liberada após prestar depoimento. Boevski ficou detido. Por dois anos. Apesar de sempre negar veementemente estar ligado à droga.

Logo em seguida à ocorrência, acusado de tráfico internacional de drogas, o búlgaro ficou detido provisoriamente na Penitenciária de Itaí, cidade que se situa a 287 km de São Paulo.

Então casado e pai de dois outros filhos além de Sarah, ficou alojado em uma cela com mais uma dezena de estrangeiros.

"No meu país, todos sabem quem sou. Aqui, sou visto como criminoso, mas tenho que pensar positivo para não enlouquecer", declarou, ainda em dezembro de 2011.

Oleg Popov-20.set.2000/Reuters
O búlgaro Galabin Boevski com o ouro olímpico na Austrália
O búlgaro Galabin Boevski com o ouro olímpico na Austrália

Dali a alguns meses, em maio de 2012, Boevski acabou condenado a nove anos e quatro meses de reclusão.

'FUGA'

O dia era uma quarta-feira, 23 de outubro de 2013. Para surpresa de mídia e público búlgaros, Boevski foi visto circulando no aeroporto da capital de seu país, Sófia, recém-chegado de um voo de Paris. Atendeu um jornalista local que ficou surpreso com seu retorno, deu rápidas explicações e, de posse de um passaporte temporário, afirmou: era um homem livre.

Ninguém entendeu.

Como alguém condenado a quase dez anos de cadeia circulava livremente? A resposta veio alguns dias depois, e deu início a uma polêmica.

Segundo nota do Ministério da Justiça enviada à Folha, "Galabin Pepov Boevski foi expulso do Brasil após liberação pelo poder judiciário. Por conta do crime cometido, ele teve sua expulsão decretada pelo Ministro de Estado da Justiça do Brasil".

A decisão foi publicada no "Diário Oficial" de 8 de maio passado, assinada pelo ministro José Eduardo Cardozo.

Uma expulsão, é bom deixar claro, não se confunde com transferência de presos estrangeiros. Para enviar um detido para o exterior, é preciso que dois países tenham um tratado bilateral. E Brasil e Bulgária não o têm.

Como a lei brasileira não tem efeito na terra de Boevski e ele foi expulso, é um homem livre.

De acordo com comunicado da Justiça Federal, por onde o processo do ex-atleta também correu, a expulsão "se destina a banir do território nacional o estrangeiro tido por nocivo". Apesar disso, a condenação dele no Brasil persiste válida.

O que Boevski não pode, sob pena de ser detido imediatamente, é voltar o Brasil. Mas parece pouco provável que ele o faça...

REAÇÕES

Procurado pela Folha, o advogado de Boevski no Brasil, Jackson Nilo de Paula, afirmou que tem sido requisitado por alguns pares.

"Querem me perguntar como fiz para obter a expulsão dele. O que tem de gente me ligando e se passando por jornalista para saber meu método, você não acredita", disse.

Tamanho assédio o fez, inclusive, adotar medidas cautelosas. Ele pediu à reportagem para enviar alguma comprovação jornalística, como registro profissional no Ministério do Trabalho.

Faz sentido. O caso de seu cliente mais famoso superou barreiras internacionais e causou até um problema diplomático.

O governo da Bulgária retirou seu embaixador no Brasil, Chavdar Nikolov, sob alegação de ele não ter alertado as autoridades sobre a expulsão de Boevski.

O ministério de relações exteriores do país europeu não poupou críticas a Nikolov e afirmou que ele sabia que o ex-atleta iria deixar a detenção a qualquer momento. Segundo um porta-voz do governo búlgaro, o caso todo manchou o serviço diplomático nacional.

Resta saber o que vai acontecer com o homem livre mais famoso e polêmico da Bulgária.


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