Folha de S. Paulo


Canhão da Vila, Pepe diz que quase não pegou o Milan no bicampeonato mundial do Santos

José Macia, mais conhecido como Pepe, 78, foi um dos protagonistas do Santos na era Pelé e também no bicampeonato mundial, em 1963, conquista que completará 50 anos no próximo sábado.

O detalhe é que o Canhão da Vila, como ficou conhecido pela potência de seu chute, não jogaria a partida em que fez dois gols e ajudou o Santos a bater o Milan, de virada, por 4 a 2, no Maracanã.

A reveleção foi feita pelo ex-ponta esquerda (750 jogos e 405 gols pelo Santos) com exclusividade à Folha, que publica hoje o segundo capítulo do título de 1963.

Por ter perdido o primeiro jogo na Itália por 4 a 2, o Milan se sagraria campeão no Rio com um empate. Por isso o triunfo santista por 4 a 2 manteve vivo o sonho do bicampeonato ao forçar um terceiro jogo -que teve vitória do time alvinegro por 1 a 0.

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Folha - Qual recordação você tem da conquista de 1963
Pepe - Um detalhe muito interessante e que pouca gente sabe: eu não ia jogar o segundo jogo, no Rio. Não estava em grande fase e nos treinos o [treinador] Lula escalou o Batista, um armador que jogou no Noroeste mas sempre foi discreto, não era decisivo como o Pepe. Fiquei p... da vida. Apesar de não estar bem, eu queria jogar.

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Mas você jogou. O que mudou até o dia da final?
Na concentração, no dia do jogo, conversei com o Dalmo e ele disse: 'Pepe, você não vai jogar. O Lula já deu um parecer que será o Batista'. Quatro horas antes do jogo, me chamaram em um quarto para conversar. Subi e encontrei os homens fortes da diretoria junto do Lula. Pensei: 'me chamaram aqui para endossar que eu não vou jogar'. Já pensava até em apelar, mas assim que entrei no quarto o Lula disse 'Bomba -ele me chamava assim- como você está?'. 'Tô legal, professor. Pode contar comigo', respondi. Aí ele disse 'então, vamos lá porque vou precisar de você'. Acabou precisando mesmo [risos]. Eu fiz dois gols e a partida da minha vida.

A vitória por 4 a 2 no segundo jogo foi a partida mais marcante daquela decisão?
Sem dúvida. Nós perdemos o primeiro [4 a 2] e o Milan passou a ser favorito, jogava pelo empate. E chegamos a estar perdendo por 2 a 0, no Rio. Veja em que situação nos encontrávamos. Além disso, três de nossos principais jogadores não jogaram machucados: Calvet, Zito e Pelé. Tínhamos de virar e forçar um terceiro jogo. Fazer quatro gols no time da Itália na época era muito difícil. Mas, em 21 minutos transformamos um 2 a 0 em 4 a 2.

O que permitiu essa virada?
No intervalo, o Lula estava preocupado com a preleção que deveria dar. Não teve como sair do trivial: 'vamos virar, vamos para cima'. Nesse instante sentimos uma coisa diferente. Uns clarões, raios. Era uma tempestade no Maracanã. Sou do signo de peixes e sempre brinquei que gostava de jogar em campo molhado. E isso de fato ajudou. Os italianos foram surpreendidos com a chuva, que castigou o campo, e com a violência do meu chute. Tive a felicidade de fazer dois gols.

Cinquenta anos depois, lembra como foram seus gols?
Sim, de falta, minha especialidade. Um deles foi com barreira e o outro sem. Saíram dois canudos [chutes fortes]. Uma das cobranças foi próxima da meia lua e a outra foi quase do meio de campo. É muito interessante que até hoje as pessoas, não os pais e filhos, mas os avôs ao me encontrarem me dizem 'seu Pepe, aquele jogo contra o Milan foi inesquecível'.

O Almir, substituto de Pelé, também foi um personagem que marcou aquele jogo?
O Milan provocou muito o Santos, especialmente o Amarildo. Ele era bom de bola, mas era chato. Disse que o Santos não iria ganhar sem o Pelé, que eles iam pintar e bordar no Rio. Isso mexeu com a nossa turma, especialmente com o Almir. Ele virou bicho quando viu as declarações do Amarildo e usou aquilo como incentivo. Ele também tinha uma diferença com o Milan. Foi desprezado quando esteve na Itália e queria provar seu valor. O Almir deu carrinho, deu bofetada, jogou bola. Foi importantíssimo nos dois jogos no Rio.

O terceiro jogo também foi empolgante como o segundo?
Não teve chuva, mas foi um jogo muito amarrado. Poucos lances de gols. Todos sabiam que um gol poderia decidir e foi assim. O Santos conseguiu um pênalti e o Dalmo cobrou com muita categoria: 1 a 0. Na época, nosso batedor era o Pelé. Como ele não jogou, eu deveria ser o cobrador, mas o Lula mandou que fosse o Dalmo por ser mais frio, e acertou na sua escolha.

Por que o Santos optou jogar no Maracanã aquela final?
Naquela época, o Santos não tinha o apoio em São Paulo como tem hoje. Nossa torcida era menor e, mesmo sendo decisão de Mundial, não me diga que corintianos, são-paulinos e palmeirenses torceriam para o Santos ser campeão porque não é verdade. Já no Rio tínhamos muitos fãs. Todo carioca gostava do Santos de Pelé. Os líderes do time foram consultados e deram o parecer pelo Maracanã. Era um campo gostoso, um tapete perfeito para o espetáculo de um grande time.

Tem ideia da dimensão do bicampeonato mundial?
Na época, a gente tinha como espelho o Real Madrid, que era o papa títulos na Europa. E estávamos sempre procurando igualar o Real Madrid e conseguimos. Faturamos muitos títulos, fomos bicampeões mundiais e reconhecidos em todo o planeta. Ficamos conhecidos como o maior time daquela década.

Tem saudade daquela época?
Muita. Alguns veteranos a gente sempre encontra para matar a saudade, mas de vez em quando eu sonho que ainda estou jogando futebol...

Editoria de Arte/Folhapress
Infográfico mostra como estão hoje jogadores que conquistaram o título do Mundial de Clubes em 1963
Infográfico mostra como estão hoje jogadores que conquistaram o título do Mundial de Clubes em 1963

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