Folha de S. Paulo


Análise: Vitória de Nadal deslumbra

Depois de uma final tensa no Aberto dos EUA, Rafael Nadal falou com gentileza sobre Novak Djokovic, um exemplo da civilidade que o espanhol costuma exibir ao final de suas partidas.

Nadal conquistou a vitória sobre Djokovic na final do Aberto dos EUA em um momento no qual o rival imaginava ter sob controle a feroz disputa, segunda-feira à noite. E depois o vencedor disse ao rival que "você é um jogador espetacular --encerrará sua carreira como um dos melhores da História".

O que ficou sem dizer é que isso aconteceria nem perto do nível transcendente que Nadal mesmo atingirá, nem que apenas por que Nadal não é o tipo de pessoa que faça uma declaração assim.

É raro o competidor que combine a persistência que ele demonstra em quadra à elegância que demonstra fora dela. Uma combinação como essa não é fácil de compreender ou de explicar, especialmente se comparada ao que vemos em alguns outros dos melhores atletas mundiais.

David Beckham, que assinou autógrafos nas viradas de quadra da vitória de 6/2, 3/6, 6/4, 6/1 de Nadal sobre Djokovic, provavelmente deve ter ficado imaginando como Nadal se sairia em campo pela seleção espanhola de futebol. David Stern, o comissário da NBA e mais um dos espectadores de primeira fila desse desempenho clássico de Nadal, sem dúvida reconheceu nele o tipo especial de atleta de que o basquete tanto se beneficiou nos anos de Michael Jordan.

Contra um jogador dessa ordem, nada pode ser considerado como decidido. No final do terceiro set, Djokovic teve três chances de quebra de serviço que poderiam tê-lo conduzido a uma vantagem de dois sets a um. Mas Nadal conseguiu confirmar o saque e com isso dominou o adversário pelo resto do set.

"Ficou evidente que eu não consegui me recuperar", disse Djokovic.

A partida e a 13ª vitória de Nadal em um torneio de Grand Slam estavam praticamente garantidas. A partida, que começou às 23h15 no horário da Sérvia de Djokovic e da Espanha de Nadal, terminou cedo, pelos padrões dos dois, em apenas três horas e 21 minutos.

Foi duas horas e 32 minutos mais curta do que a maratona de cinco sets que eles disputaram na final do Aberto da Austrália em 2012, vencida por Djokovic e estabelecendo um recorde de duração. Na semifinal de Roland Garros, em junho, vencida por Nadal, eles jogaram por quatro horas e 37 minutos.

A essa altura, os torcedores não se preparam para simplesmente assistir a uma partida de Grand Slam entre Djokovic e Nadal. Eles se organizam para que alguém cuide de suas casas, leve o cachorro para passear. Levam uma muda de roupas e suas escovas de dentes. Aceitam uma noitada de tênis em forma de guerra de atrito. E talvez os naturalmente céticos dentre eles imaginem como o esporte moderno pode superar tamanhas barreiras físicas e de recuperação sem recorrer a atalhos químicos.

"Quando você ama o que faz, sempre tenta melhorar", diz Toni Nadal, técnico e tio do novo campeão, na saída do vestiário depois da partida. Ele não estava se referindo a recompensas financeiras, ainda que a bonificação de US$ 1 milhão que Nadal levará para casa em companhia do prêmio de US$ 2,6 milhões pelo torneio devam ser depositados no banco com alegria.

No passado, Nadal era um fenômeno adolescente das quadras de saibro. Depois, desenvolveu um saque superior à média, a capacidade de vencer disputas na rede, e não demorou para que detivesse um bicampeonato em Wimbledon.

Aos 27 anos, ele supostamente deveria ser vulnerável nas quadras rápidas, especialmente ao final de uma longa temporada de Grand Slam, porque os pontos longos que ele é conhecido por disputar não são bons para seus joelhos, danificados por tendinites.

Depois de ser derrotado na primeira rodada em Wimbledon, Nadal venceu todos os torneios em quadra rápidas que disputou recentemente, em Montreal, Ohio e Nova York. Para reduzir o desgaste físico, ele está usando respostas diretas, mais arriscadas do que as bolas cruzadas, mais seguras. Contra Djokovic, ele também ganhou seu quinhão de pontos em sequências longas.

"Ele já não consegue correr como quando era mais jovem", disse Toni Nadal com franqueza surpreendente. "E quando você tem alguns problemas, aprende que precisa fazer algo de modo diferente".

Você evolui. Você cresce. O que não muda é o comportamento de Nadal, na vitória ou na derrota.

Se Roger Federer foi o Tiger Woods do tênis, inspirando espanto, Nadal é o Phil Mickelson do esporte, aparentemente despreocupado com o peso de tudo aquilo. Ele nem mesmo afirma que sua geração de jogadores, que é vista quase universalmente como responsável por um salto de qualidade no esporte, seja mais especial que as precedentes.

"Não gosto de falar sobre uma parte da história do tênis na qual estou envolvido, porque soaria muito arrogante caso eu diga que esta é uma grande era", ele declarou em Montreal ao abrir sua temporada de vitórias em quadras rápidas. "Tivemos muitos anos fantásticos no tênis. Creio que essa seja uma era especial porque os melhores jogadores do mundo têm a capacidade de chegar às rodadas finais da maioria dos torneios. Isso criou muitas disputas clássicas, ótimas batalhas".

À sombra da narrativa que ele compartilha com Federer, sua rivalidade com Djokovic está lentamente ganhando terreno nas discussões sobre os maiores duelos. A final da segunda-feira foi a 37ª partida entre eles, seis a mais do que Nadal jogou contra Federer.

Federer-Nadal continua a ser o referencial do esporte, especialmente agora que Nadal está apenas quatro títulos abaixo das 17 vitórias do suíço em Grand Slams, e com novas vitórias à sua frente, caso seus joelhos não o prejudiquem.

"Bem, 13 Grand Slams para um cara de 27 anos é incrível", disse Djokovic. "Ele ainda tem muitos anos a jogar, isso é tudo que posso dizer".

E foi mais do que Nadal quis dizer, quanto ao longo prazo.

"Eu penso passo a passo, dia a dia, semana a semana", diz.

Ou ponto a ponto. É por isso que o rei do saibro por tanto tempo tem chance real de estabelecer sua monarquia em todas as quadras, em um desempenho que terá lugar nos livros de recorde. Aposte contra ele com a maior cautela.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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