Folha de S. Paulo


Falta de exame adequado potencializa mortes no esporte, diz cardiologista

Cada vez mais são registrados casos de atletas que precisam se afastar do esporte em virtude de problemas cardíacos. A carga maior de treinamentos e as condições nas quais os esportistas são expostos são alguns dos fatores apontados por especialistas para o agravamento de doenças do coração.

No ano passado, a Fifa divulgou um relatório informando que nos últimos cinco anos 84 jogadores de futebol profissional morreram. O COI (Comitê Olímpico Internacional) fez um levantamento entre 1966 e 2004 e chegou ao número de 1.101 mortes súbitas em atletas com menos de 35 anos, com os casos mais recorrentes sendo as paradas cardiorrespiratórias.

A maioria dos problemas cardíacos é de origem congênita, ou seja, normalmente surge antes do nascimento e pode afetar qualquer pessoa. Segundo o médico e cardiologista do esporte Nabil Ghorayeb, no entanto, o problema é potencializado naquelas que praticam esportes e exigem mais do corpo.

"A doença que matou Serginho [em 2004, durante jogo do Campeonato Brasileiro] tem incidência de um a cada 600 nascimentos, então ela vai aparecer com certa frequência, ainda mais no caso de a pessoa praticar esporte", disse o especialista, chefe da Seção Médica de Cardiologia do Exercício e do Esporte do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e do Hospital do Coração.

Cardiomiopatia hipertrófica é um problema genético que deixa o coração espesso e provoca obstruções internas e pode provocar parada cardíaca. Mas há outro fator de incidência comum em quem pratica esportes de alto rendimento.

"Os atletas, especialmente no futebol, estão sendo submetidos a uma carga excessiva de treinamentos, o que diminui a resistência imunológica e facilita o surgimento de infecções por vírus que atingem o coração em cerca de 5% dos casos, provocando miocardites virais, arritmias, em pessoas que não tinham esses problemas."

Há casos em que o atleta fica afastado por alguns meses e depois volta a praticar esporte normalmente. "Depende o que o atleta tinha, se foi curado ou não. Tem doenças que são curáveis e outras não, vai depender do diagnóstico", disse Ghorayeb.

Um caso com final feliz foi o do oposto Leandro Vissotto, que passou mal durante uma partida de vôlei na Itália e teve diagnosticada uma arritmia --necessitou de um cateterismo. Dois meses depois, porém, já estava defendendo a seleção masculina e participou dos Jogos de Londres.

Ele já teve um registro de nova arritmia este ano, durante partida na Rússia, mas foi liberado pelo cardiologista local, minimizou o episódio e voltou a jogar.

Já o ponta Roberto Minuzzi esteve perto da morte. Devido a uma dilatação da aorta, ele precisou ser operado em 2005 e ficou fora das quadras por nove meses. Cotado para ser substituto de Nalbert, acabou distante de um desempenho para se tornar novamente selecionável, embora tenha conquistado títulos por clubes e ainda esteja na ativa.

"Se demorasse mais dois meses para ter diagnosticado, é quase certo de que eu teria morrido", declarou à época.

No futebol brasileiro, um dos casos mais recentes e emblemáticos foi o do atacante Washington. Em 2002, quando defendia o Fenerbahçe, descobriu, após passar mal, que estava com uma das artérias coronárias 90% entupida. Após a cirurgia e a colocação de um "stent", uma espécie de tubo de metal para desobstruir o local e passou mais de um ano sem jogar.

O centroavante acertou sua transferência para retornar aos campos pelo Atlético-PR, onde foi reprovado no primeiro teste. O ex-atacante colocou um novo "stent", voltou aos gramados e jogou até os 35 anos, quando decidiu se aposentar, no começo de 2011.

Já outros são mais graves e os jogadores precisam abandonar o esporte. Recentemente o goleiro Doni, 33, anunciou a aposentadoria do futebol após ter tido uma parada cardiorrespiratória durante um exame no Liverpool, em julho do ano passado.

Depois do ocorrido, acertou o seu retorno ao Botafogo-SP. No entanto, o atleta decidiu encerrar a carreira em agosto.

SERGINHO

Para Ghorayeb, a morte de Serginho em 2004 durante o jogo entre São Caetano e São Paulo, no Morumbi, pelo Campeonato Brasileiro, possibilitou uma maior atenção com a saúde dos atletas. O clube do ABC sabia do problema do jogador.

"Houve uma mudança de perfil desde o caso Serginho. Todo mundo se conscientizou que precisa fazer exame médico prévio. Nos anos 70, 80 os jogadores vinham quase amarados para fazer o exame e, hoje, eles fazem questão de vir ao consultório", afirmou Ghorayeb.

O susto foi ainda maior já que, em 2003, o camaronês Foé, então com 28 anos, morreu dentro de campo durante uma partida da Copa das Confederações contra a Colômbia. Autópsia revelou depois que Foé sofria de uma má formação do coração hereditária.

Apesar do maior cuidado, o especialista ressalta que ainda falta muito para avançar no sentido de evitar casos de morte no esporte decorrente de problemas cardíacos.

"Falta uma avaliação especializada. As pessoas não pensam nisso, pensam em economia. Tem clube de futebol que não quer nem fazer exame, manda só fazer o eletrocardiograma e leva para a federação. Há clubes que não têm cardiologista, quem avalia os exames é um médico não especializado", criticou.

"A avaliação tem que ser obrigatória em todo esportista, devia ter uma lei federal que exigisse que todo indivíduo que pratica esportes em competições federadas e de alta intensidade tivesse que passar no médico e fazer uma avaliação para não correr riscos", completou.

Fernando Santos-27.out.04/Folhapress
O jogador Serginho é atendido no gramado do Morumbi após desmaiar durante São Paulo x São Caetano, pelo Campeonato Brasileiro
O jogador Serginho é atendido no gramado do Morumbi após desmaiar durante São Paulo x São Caetano, pelo Brasileiro

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