Folha de S. Paulo


Aprendi com meu filho a não desistir, diz meia santista Montillo

Sem pressa, Montillo caminha em direção à reportagem após o treino do Santos no CT. Faz um cumprimento rápido e, ao ouvir o pedido de entrevista, responde: "tranquilo".

A palavra é utilizada de forma recorrente pelo meia de 29 anos e diz muito sobre seu jeito. Significa que está tudo bem --em campo e fora dele-- e calmo.

O camisa 10 teve tranquilidade para superar a má fase no início do ano e se tornar o destaque do Santos hoje, com elogios do técnico Claudinei Oliveira.

Antes, havia tido paciência para vingar no futebol, apesar de iniciar a carreira aos 17 e, sobretudo, teve fé após o filho caçula [Santino, portador de síndrome de Down] ficar internado na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), em Belo Horizonte, por três semanas em 2011 após uma complicada cirurgia no intestino.

Hoje, ele se diz um privilegiado. "Vesti a camisa 10 de Maradona [na Argentina] e Pelé [no Santos]. Joguei com Messi e Neymar. Tudo isso graças ao meu esforço."

Montillo, quarto estrangeiro a vestir a 10 do Santos após Pelé e maior investimento recente do clube (R$ 26,6 milhões), é a esperança para o time quebrar o jejum sem triunfos no Brasileiro hoje contra o Vitória, na Vila Belmiro, às 18h30, pela 16ª rodada.

À Folha, ele analisou sua recuperação, falou sobre a crise do time e o futuro com os meninos. Ainda mencionou as lições que extraiu com Santino e o desejo de ser jornalista.

Ricardo Saibun/Divulgação/Santos FC
O meia Montillo, 29, se diverte durante treino do Santos no CT Rei Pelé
O meia Montillo, 29, se diverte durante treino do Santos no CT Rei Pelé

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Folha - Você usa a 10 de Pelé, é um dos poucos a ter jogado com Messi e Neymar e o destaque do time. Como avalia isso?
Montillo - Tranquilo. Isso é fruto do meu trabalho. Tive o privilégio de jogar com Messi e Neymar, para mim o número um e o número dois do mundo, visto a camisa de Pelé e já vesti a 10 de Maradona. Não gosto de falar muito de mim. Prefiro trabalhar em campo e buscar meus objetivos. Sabia que em algum momento tudo iria se acertar. Procuro ser o mesmo, bem ou mal, mas sempre com os pés no chão.

Alguns diziam que atuar junto com o Neymar te atrapalhou. O que pensa disso?
Se atuar com o Neymar foi o que me atrapalhou, então estamos doidos. No começo do ano, as coisas não deram certo. Fiquei calado e trabalhei. O Neymar saiu e a situação é outra. Não fomos bem no primeiro semestre, mas chegamos até a final do Paulista. Agora temos de melhorar para brigar no Brasileiro.

Mas a situação do time não é boa. Alguns torcedores já temem o rebaixamento.
Todo mundo fica preocupado. Empatamos com times bons, e duas vezes [Coritiba e Vasco] sofremos o empate no final. O Brasileiro não perdoa se você não conseguir os pontos em disputa. No final podemos nos lamentar. Temos um bom time, em crescimento, e que busca atuar bem.

Há muita diferença para o Santos de Claudinei Oliveira e o de Muricy Ramalho?
Muricy batalhou para eu jogar aqui, mas as coisas não deram certo da maneira que eu, ele e o time esperávamos. E, às vezes, o primeiro a sair é o treinador, mas tenho boas referências dele. O Claudinei conhece muito bem os meninos do elenco. Foram embora jogadores importantes. Temos de ter um pouco de paciência. Não podemos jogar a responsabilidade nos meninos. Nós, os mais velhos, temos de assumir a bronca.

Como é seu relacionamento com os meninos da base?
Gosto e procuro me relacionar com todos. Eles procuram [os mais velhos] para conversar. E tentamos colocá-los em um bom caminho. Eles têm um futuro promissor, são também o futuro do Santos. Se continuarem dessa forma, com os pés no chão, sem se achar, vão chegar longe.

A goleada de 8 a 0 para o Barcelona ainda é uma ferida?
Isso vai ficar na memória de todos. É uma mancha para mim, para cada um que jogou e para o Santos. Mas temos de virar a página porque ninguém vive de lembranças.

Há nove dias o presidente Luis Alvaro se licenciou. O futuro político do Santos está em debate. Isso tem reflexo no time?
A gente vem aqui para fazer o melhor para o Santos. Não nos envolvemos com a política. Isso é coisa para os diretores. Não chega até nós. Temos de fazer nosso parte e torcer para a diretoria deixar o clube bem arrumado como sempre foi. No futebol, tudo muda muito rápido. Já mudaram treinador, o gerente de futebol [saiu Nei Pandolfo e Zinho foi contratado]. Se o futebol estiver bem, tudo no clube tende a melhorar.

Seu objetivo continua sendo jogar a Copa do Mundo no Brasil?
Minha meta é fazer o melhor aqui. Se o técnico da Argentina me dar a chance de disputar as eliminatórias, tenho de estar pronto. Não fui convocado no jogo contra a Itália, mas a cabeça está no trabalho que faço no Santos.

Quais lições extraiu do momento em que seu filho ficou internado?
Não desistir nunca. Isso vale para dentro e fora de campo. A vida coloca pequenos obstáculos que temos de passar. Aprendi com meu filho a não desistir e lutar até o final. Hoje ele está bem. Fico feliz porque foi uma grande batalha, e continua sendo.

Para encerrar, você queria ser jornalista antes do futebol?
[Risos]. Estava concluindo o segundo grau e queria ser jornalista, mas o futebol não deixou, mudou tudo. Tive de deixar os estudos para continuar jogando [começou a carreira aos 17] e não cheguei a ingressar na faculdade por causa dos jogos, concentração. Não sobrou tempo, mas hoje me sinto privilegiado e realizado no futebol.


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