Folha de S. Paulo


Nadadora vê recorde recusado com alegação de ter usado trajes inaceitáveis no Irã

Em uma manhã de terça-feira em junho, Elham Ashgari entrou nas gélidas águas do mar Cáspio, no norte do Irã, para nadar 20 km em traje islâmico completo. Mas o recorde que ela estabeleceu ao percorrer a distância em nove horas não foi reconhecido pelas autoridades nacionais. Porque ela é mulher.

"Ainda que eu tenha respeitado o código de vestimenta islâmica completa e que dirigentes da federação de natação estivessem presentes o tempo todo, as autoridades disseram que meus trajes eram inaceitáveis, por mais islâmicos que fossem", afirma.

"Eles disseram que os traços femininos do meu corpo estavam aparecendo quando saí da água", completa.

Reprodução/Facebook
A nadadora Elham Ashgari sai de piscina
A nadadora Elham Ashgari sai de piscina

Nadar em águas abertas era o sonho de infância de Ashgari. Para atingir o objetivo, ela buscou métodos de treinamento na internet e teve a ideia de desenvolver um traje especial de natação --um hijab completo que cobre seu corpo da cabeça aos pés.

O traje aumenta seu peso na água em seis quilos, e usá-lo é dolorido, ela diz. Frustrada com a recusa das autoridades em aceitar o recorde, Ashgari, com a ajuda de seu empresário, Farvartish Rezvaniyeh, postou um vídeo sobre sua façanha na internet.

Rezvaniyeh decidiu que ajudaria a nadadora a divulgar sua situação depois de ler a respeito no Facebook. "Não consegui acreditar na injustiça cometida contra uma campeã e recordista. Entrei em contato com ela... E fizemos o vídeo", ele diz.

As imagens, que mostram Ashgari, 32, nadando com seu traje islâmico e apelando aos concidadãos iranianos por ajuda, atraíram a atenção de milhares de pessoas que compartilharam o vídeo nas redes sociais. Os apoios não param de chegar, à medida que mais e mais pessoas são informadas sobre a causa.

No vídeo, postado no YouTube e assistido por pelo menos 120 mil pessoas, Ashgari promete não ceder à pressão.

"Nenhum nadador jamais aceitará nadar com esses trajes. Nadar com esses trajes machuca meu corpo", diz, enquanto imagens a mostram nadando em uma piscina.

"Nadei 20 quilômetros, na cidade de Nowshahr, norte do Irã, e eles reduziram para 15 quilômetros. Protestei e eles aceitaram 18 quilômetros. Mas agora não registram o recorde", ela afirma.

PRESSÃO

"Meu recorde de 20 quilômetros é refém de pessoas incapazes de nadar 20 metros. Passei dias e noites difíceis. O incidente é inacreditável para mim. Não cederei à pressão. Nadar não é só para os homens --nós mulheres também o fazemos", diz.

As mulheres iranianas podem usar piscinas públicas de natação em horários exclusivos ou lugares exclusivos para elas, mas as autoridades esportivas relutam em admiti-las em águas abertas.

"Temem que, se meu recorde for reconhecido, estariam inadvertidamente aprovando meu traje de natação, e isso daria às mulheres acesso às águas abertas", diz Ashgari.

A nadadora conta que começou a nadar aos cinco anos. "Às vezes, me sinto anfíbia, capaz de viver em terra e na água. Passo tanto tempo na água quanto na terra, a cada dia. Meu pai era lutador --foi ele que me encorajou a registrar meus recordes."

Em uma prova em águas abertas disputada anteriormente perto da ilha de Kish, no sul do país, Ashgari diz que lanchas da polícia tentaram impedir que ela competisse, em uma sequência dramática de eventos que resultou em ferimentos causados pelas hélices dos barcos em suas pernas e quadris.

Após combater diversos obstáculos de ordem sexual durante oito anos de governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad, Ashgari deposita suas esperanças de mudança no novo líder do país, Hassan Rouhani, eleito em junho --assume em agosto.

"Espero que no governo do presidente Rouhani as pessoas que prejudicam minha carreira não encontrem lugar. Vou certamente acompanhar o caso do meu recorde de natação, quando ele assumir."

O Irã não permite que suas nadadoras participem de competições internacionais. Os Jogos Femininos Islâmicos de Teerã são um dos poucos eventos internacionais de que as nadadoras do país podem participar.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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