Folha de S. Paulo


Palmeiras que caiu era mais técnico e agora tem coletivo mais forte, diz Kleina

À espera de mais alguns reforços para a disputa da Série B, o técnico Gilson Kleina disse que o time do Palmeiras rebaixado em 2012 tinha mais qualidade técnica, mas que o elenco que inicia neste sábado a luta para subir é mais forte coletivamente.

Em entrevista à Folha, Kleina disse que após oito meses no clube --estreou em setembro do ano passado-- já conseguiu implementar sua filosofia no grupo, mas que a equipe ainda está em formação porque começou a contratar após o início da temporada.

O treinador palmeirense afirmou ainda que não temeu ser demitido nem mesmo após a goleada por 6 a 2 sofrida para o Mirassol, em março, que tem o comando do elenco e que ficou sabendo da grave situação financeira do clube dez dias antes do início do Campeonato Paulista, em janeiro.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Gilson Kleina posa para foto no CT do Palmeiras
Gilson Kleina posa para foto no CT do Palmeiras

Quais diferenças entre o time que caiu para a Série B em 2012 e o que agora tenta subir?
A diferença é que agora temos uma filosofia implementada, do jeito que nós pensamos. Querendo ou não, assumi numa situação na qual você tenta colocar algo, mas o tempo vai contra você. Hoje, por mais que não chegamos nas finais onde queríamos nas duas competições [Paulista e Libertadores], nós também alcançamos nossos objetivos de classificação.

Que filosofia é essa?
É um sistema de jogo, uma adaptação de treino, compactação da equipe. Entender onde as linhas de marcação podem começar. Fazer com que o atleta aumente o nível de competitividade, ter uma intensidade maior de jogo, comprometimento maior com a instituição. Tudo isso é a filosofia que implementamos, sem querer fazer paralelo ou comparações. O Palmeiras está num estágio acima daquilo que nós iniciamos e vai chegar num estágio muito competitivo e muito forte.

Mas qual equipe é mais forte: a que caiu ou a que tenta subir?
Olha, tecnicamente falando, a equipe do ano passado tinha uma qualidade muito grande. Mantivemos a técnica, mas vejo a equipe mais coesa. Esse elenco não tem estrelas, mas o coletivo do Palmeiras é muito forte. Tanto é que temos números que não tínhamos no ano passado. Diminuímos o número de gols tomados, somos a equipe que mais finaliza, mas não estamos convertendo isso em gol. Nosso ataque ainda é precário. Precisamos trabalhar essa situação. Estamos organizando de trás para frente.

Na política do clube, o presidente Paulo Nobre disse que o maior adversário do Palmeiras é o próprio Palmeiras. Você também sente isso no campo?
O problema do Palmeiras é deixar acontecer situações que poderia evitar. Nós sabemos que estamos numa equipe que sempre tem de buscar a iniciativa, o resultado, e às vezes deixa escapar coisas que estavam nas nossas mãos. De repente a gente facilita a nossa vida, mas nós mesmos complicamos ela. Temos que continuar nosso trabalho, com pé no chão e respeito ao adversário.

A promessa de blindagem feita pela nova diretoria em janeiro surtiu algum efeito?
Muito. A blindagem nada mais é do que você poder deixar todos desenvolverem o seu potencial. Isso não quer dizer que não existam cobranças internas. Mas é saber que não é qualquer erro, qualquer derrota que se vai jogar tudo para alto. Acho que esse critério utilizado hoje é de grande valia. Muitos jogadores cresceram nesse momento protegido por qualquer situação. Não que a gente está isento de crítica, de ser vaiado, cobrado. Mas a resposta já está acontecendo dentro de campo. O torcedor comprou a ideia, cresceu conosco e jogou conosco nessa reta final. Nós é que no finalzinho decepcionamos com ele.

Segundo Paulo Nobre, o Felipão pediu para sair porque sentiu que os jogadores não correspondiam mais ao seu comando. Em algum momento nesses oito meses sentiu ter perdido o comando do elenco?
Não, pelo contrário. Aqui a gente sempre foi transparente. O comando que gosto de utilizar é da inteligência, saber ter respeito do atleta, cobrar e elogiar no momento certo. Todo momento tive respostas muito positivas desse grupo. Nosso maior problema foi a demora para montar a equipe, aí vieram as lesões novamente e não conseguimos repetir o time, só agora no final da Libertadores. Estou indo para oito meses e tive poucos problemas de indisciplina e soubemos administrá-los. Já passei por comissões técnicas em que conseguimos mais extrair do jogador. Você vê o atleta na zona de conforto, que não responde mais ao que você está pedindo. Não acredito que no primeiro ou segundo ano isso aconteça. É um desgaste que sempre vem no terceiro ano. Prova disso está o rompimento do Mourinho com o Real Madrid.

Mas com tantos altos e baixos do time, já achou que fosse ser demitido?
Não... não. Acho que o momento mais difícil foi a queda, claro. Cair com o Palmeiras não é cair com qualquer equipe. Meu medo era que cair traz com você uma história, uma tradição junto. Não tem como separar as coisas. Depois a diretoria me deu muita força e viu a dificuldade para fazer o planejamento, mas foi tardio. Tivemos de colocar jogadores que estavam há muito tempo sem jogar, que vinham de lesões, que não podiam jogar uma competição e podiam jogar outra. São vários problemas juntos que dentro de um time grande se agravam mais. Então, o tropeção que tivemos foi o resultado do Mirassol [derrota por 6 a 2]. Faltando três minutos para subirmos para o campo o Maurício Ramos passa mal e tivemos que estrear o garoto [Marcos Vinícius] e já estávamos estreando o André. Era uma zaga que nunca tinha jogado junta. Querendo ou não, no futebol tem momentos que as cosias dão certo e que as coisas não encaixam. Aquele dia não encaixou e com seis minutos de jogo a gente já perdia de 3 a 0.

Nem depois dos 6 a 2 pensou que fosse cair?
Ali foge de mim. Poderia, sim, de repente, pela goleada, se a diretoria usasse a emoção. Mas [ela] usou a razão. Viu toda a dificuldade que a gente teve para montar a equipe. Teve momentos em que estava indo para a viagem e não sabia se ia ter atacante ou não. Foram muitas dificuldades. Isso tudo passa por planejamento, que começou mais tarde. Vejo grandes equipes, que fizeram grandes investimentos, pedindo tempo para encaixar. Você imagina o Palmeiras, que começou [a montar o elenco] depois de todo mundo. Tivemos duas competições difíceis, o regional mais equilibrado do país, e o torneio mais importante da América do Sul e a gente representou bem na medida do possível. Essa oscilação passa por não ter uma equipe entrosada, uma equipe definida. Trocas de jogadores que podiam jogar determinada competição. Futebol não encaixa da noite para o dia, não é receita de bolo.

E quando vai encaixar?
Agora temos a grande chance de as coisas começarem a acontecer. Primeiro, temos a Série B, com 38 jogos. Uma competição que temos de encarar com espírito muito forte, como a gente fez na Libertadores e no Paulista. A gente sabe que o Palmeiras vai entrar com um favoritismo e com a obrigação de subir. Mas nós estamos no Palmeiras, temos de entender que é dessa maneira mesmo.

Basta subir ou tem de ser campeão?
O ideal é subir sendo campeão. Mas a Série B dá quatro vagas com o mesmo objetivo. A diferença é que um levanta o caneco. Mas os outros estão no mesmo lugar de quem levantou o caneco. Agora, é claro que a cobrança é de estar sempre entre os primeiros e não pode ser de outra forma. Mas Série B é muito equilibrado. Até conversei sobre 2003 [com os jogadores]. Foi difícil o Palmeiras subir. Usei até o Fernando Prass na conversa que tivemos. Ele lembrou que o Vasco ficou seis jogos sem vencer e a diretoria já até falava em pensar o ano que vem porque não ia subir mais. Foi onde o Vasco encaixou uma série de vitórias e subiu. Todo jogo será uma final. Serão 38 finais. Toda equipe que jogar com o Palmeiras vai jogar diferente. Você pode assistir o DVD do último jogo, mas contra o Palmeiras eles vão jogar com uma vontade maior. A torcida vai lotar o estádio. Mas isso é o que representa o Palmeiras. Porque quando sai a tabela da Série B, a primeira coisa que eles fazem é olhar quando vão jogar com o Palmeiras. Tem jogador que vai tomar o terceiro cartão antes para jogar contra o Palmeiras, vai se recuperar para enfrentar o Palmeiras, deixar a melhor equipe para jogar contra a gente.

Mesmo disputando a Série B, você acha que o time tem condições de defender o título da Copa do Brasil, a partir de agosto?
Claro que sim. Nós administramos o Paulista e a Libertadores no pior momento desse ano, quando quase não tínhamos jogadores para escalar. Agora, com a possibilidade de usar todas as peças poderemos trabalhar com uma equipe coesa. Temos condições de ser competente na Série B e na Copa do Brasil. Vejo o Palmeiras numa evolução. Está atentos para fazer uma equipe forte e isso parte muito da diretoria. Temos feito reuniões semanais. Mas a gente vai deixar o Palmeiras forte para trazer conquistas, que é o que move essa nação.

O que falta para deixar o time forte? Quais peças? Em quais setores?
Muitos jogadores de qualidade querem jogar no Palmeiras. Por mais que estejamos na metade do ano, o Palmeiras ainda está em transição e esse momento de transição passa muito pelo que vai acontecer lá na frente. A diretoria tem sido transparente. O clube está bancando seu deveres. Isso é importante. Se não banca está dando satisfação. Ela tem credibilidade dentro do grupo. A gente não vê insatisfação nenhuma. Agora é que estamos começando a formar um conjunto forte, saber as peças de reposição. Contratação tem de existir sempre no Palmeiras. Não podemos abrir mão de um grande jogador, de uma grande revelação. A gente entende que para frente precisamos contratar, pela carência, pelas coisas que não aconteceram. Agora, nomes e posições não falo. Até porque está no início e quero deixar todo mundo motivado.

Quando você percebeu a gravidade da crise financeira do clube e que isso afetaria seu trabalho?
Dez dias antes de começar o Paulista, antes da eleição [a presidência do clube, em 21 de janeiro]. Tivemos uma reunião e me disseram que não iam contratar ninguém porque não tinham dinheiro. Nós tínhamos feito um planejamento e dispensado muita gente. Ali me preocupou porque a gente treina um dos maiores clubes da América do Sul, sabe que o grupo ficou reduzido, e sabe da sua responsabilidade. Vi que isso afetaria diretamente o meu trabalho. A gente conseguiu costurar e suportar isso. A diretoria nova que chegou viu o cenário e começou a sanar os problemas, a fazer elenco. Essa diretoria não está simplesmente pensando em fazer contratações. Eles estão arrumando a casa. Claro que essa arrumação passa pela nossa obrigatoriedade de colocar o time na Série A, de fazer grandes competições. O que a gente precisa agora é de que retoque final. Trazer dois ou três jogadores com referências, que vão ajudar a colocar o Palmeiras nos trilhos. Claro que a gente sabe que o clube está passando por momento financeiro difícil e a diretoria deve estar estudando de que maneira vai buscar essas receitas para alavancar o clube.

Você já escalou quatro volantes, agora no fim tem usado um meia. Qual será a formação do Palmeiras na Série B? Você já tem um time ideal?
Ainda não. Precisamos encontrar a forma ideal. Uma coisa é ter colocado quatro volantes. Mas foi onde conseguimos as vitórias na Libertadores. Mas é que tem características de jogadores que sabem jogar de outra forma. O Souza não é volante de contenção, tanto que no Náutico foi aproveitado como meia. O Wesley pode ser segundo volante, mas que tem qualidade para sair. Mas fiz isso porque o Tiago Real estava machucado, o Valdivia também. O Ronny tinha chegado há pouco tempo. Optamos por jogadores com experiência, que já estavam adaptados ao clube para fazer a armação. Tínhamos trabalhado com o Kleber, mas ele também se lesionou. O Caio se machucou, o Leandro não podia jogar [na Libertadores]. Estava trabalhando com os garotos. Mas trabalhar com eles tem momento certo. Numa Libertadores, que é torneio, que você não pode errar, é complicado. Não que eu quisesse que fosse dessa forma. Sou adepto do 4-4-2, do 4-2-3-1, desde que você tenha as características à disposição, e hoje temos.


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