Folha de S. Paulo


Metade dos acidentes de trabalho da saúde fica sem tratamento ideal

Laís Araújo
Sirleide Lira, Mara Machado, Alcyone Artioli Machado no debate Segurança do Trabalhador de Saúde
Sirleide Lira, Mara Machado, Alcyone Artioli Machado no debate Segurança do Trabalhador de Saúde

Metade dos profissionais de saúde que se acidentam com materiais biológicos (sangue e outros fluidos orgânicos) abandona ou ignora o acompanhamento de 180 dias pós-exposição recomendado pelo protocolo do Ministério da Saúde.

Aferido em pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o dado leva em conta os registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2007 a 2014.

O abandono foi um dos temas abordados no debate Segurança do Trabalhador de Saúde, realizado pela Folha e a BD, empresa que produz dispositivos médicos.

Considerados um problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde, os acidentes de trabalho com exposição a fluidos biológicos podem transmitir mais de 20 patógenos diferentes, alguns deles causadores de doenças infecciosas como hepatites e HIV.

Circunstância dos acidentes em 2014 -

Entre 2010 e 2015, o Ministério da Saúde registrou 276,6 mil desses acidentes. Enfermeiros, médicos, técnicos e auxiliares de enfermagem representaram 65% dos casos de 2014, segundo o Ministério da Previdência Social.

SAÚDE SEM SAÚDE

Pelo protocolo, o profissional deve passar por acompanhamento clínico-laboratorial, com exames periódicos e consultas médicas, mas nem sempre isso ocorre.

"Dessa vez estou no acompanhamento porque me acidentei com um paciente HIV positivo, mas das outras nem notifiquei. É muito trabalhoso", conta Bruna, 26, residente em cirurgia plástica, que preferiu omitir o sobrenome.

Em agosto, ela feriu-se com agulha ao final de um procedimento cirúrgico e soube então que o paciente era portador do vírus. A residente tomou antirretrovirais por 30 dias, mas diz não ter tempo de ir às consultas e tem feito os exames por conta própria.

Tipo de exposição no acidente (2014) - Em %

Foi o quarto acidente com perfurocortante de Bruna neste ano. Ela afirma que tanto as ocorrências como o comportamento são comuns: é costume que os próprios médicos peçam exames para descobrir se o paciente é portador de alguma doença.

O acompanhamento por conta própria, no entanto, não garante segurança. "Há a janela imunológica. Pode ser que na hora o resultado seja negativo, mas dali a 30 ou 180 dias a doença se manifeste", disse Fernanda Miranda, autora do estudo da UFPR e enfermeira no Hospital do Trabalhador, unidade de referência para acidentes de trabalho com fluidos biológicos.

Desde que começaram as notificações, em 1996, até 2015, o Sinan registrou 16 casos de contaminação por HIV entre profissionais de saúde no Brasil. De 2007, quando se tornaram obrigatórias, a 2015, foram 425 para hepatite B e 699 para hepatite C.

Fernanda Miranda destaca que, sem acompanhamento, o profissional não pode provar o acidente de trabalho nem garantir direitos previdenciários, como ajuda de custos para tratamento de saúde e auxílio do INSS.

A subnotificação é outra consequência negativa: enquanto o Brasil tem média diária de 98 acidentes por material biológico, nos Estados Unidos ela chega a 1.000. "É preciso mostrar a realidade dos acidentes para obter mais investimentos em sistema de segurança para a saúde", afirmou a enfermeira.

Editoria de Arte/Folhapress

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