Folha de S. Paulo


No Brasil, corações artificiais ainda são pouco utilizados

AFP
Coração artificial de plástico e titânio
Coração artificial de plástico e titânio

Já há atualmente uma alternativa ao transplante para quem precisa de um coração novo. Técnica ainda pouco adotada no Brasil, o implante de um coração artificial –pequena turbina de titânio acoplada ao coração doente- pode eliminar sintomas de insuficiência cardíaca e estender a vida de pacientes terminais por anos ou garantir a espera por um coração doado.

De 2006 a 2016, mais de 19 mil pacientes tiveram algum tipo de coração artificial implantado nos Estados Unidos, de acordo com o registro oficial "Intermacs", que acompanha os 168 hospitais americanos que realizam o procedimento.

No Brasil não existe um registro oficial, mas de acordo com Fábio Jatene, vice-presidente do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP, até hoje apenas cerca de 40 pacientes receberam um desses dispositivos. Mas de acordo com estimativas internacionais, há no Brasil atualmente em torno de 40 mil pacientes com insuficiência cardíaca avançada, potenciais beneficiários do uso desses aparelhos.

Nesse estágio, a expectativa de vida do paciente é de aproximadamente um ano, e internações hospitalares são extremamente frequentes.

Mais da metade das operações aconteceram em São Paulo (equipe de Jatene no convênio InCor/Hospital Sírio-Libanês), e no Rio de Janeiro (Hospital Pró-Cardíaco).

O fator limitante para o uso dessa tecnologia é o alto custo. Os tipos de coração artificial implantáveis mais utilizados atualmente são os Dispositivos de Assistência Ventricular (DAVs) de fluxo contínuo, que chegam a custar em torno de R$ 500 mil, não sendo atualmente custeados nem pelo SUS, nem pela grande maioria dos convênios particulares.

O transplante de coração, estratégia número um para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, tem critérios de indicação que excluem grande parte dos pacientes.

TEMPO

Por isso, a maioria das pessoas que usa hoje um DAV como alternativa ao transplante não podia receber um coração doado por conta de problemas de saúde ou idade avançada, por exemplo. Isso explica em parte a diferença da sobrevida média após um transplante de coração (em torno de dez anos, sendo 33 anos o recorde mundial) e após o implante de um DAV (atualmente em torno de quatro anos, sendo oito anos o recorde mundial).

Em países desenvolvidos, essa tecnologia tornou-se fundamental também como auxiliar ao transplante de coração. O implante temporário de um DAV durante o tempo de espera pelo transplante permite que o paciente consiga esperar por mais tempo pelo órgão e em melhores condições de saúde, explica Jatene.

O Brasil atingiu um recorde no número de transplantes de coração em 2016, com 357 procedimentos realizados, mas não tem acompanhado esse importante desenvolvimento na área. "No Brasil é o contrário. Como temos pouco acesso a essa tecnologia, a gente vai ao transplante quase sempre sem esses equipamentos", diz Jatene.

Por causa disso, ele diz, o paciente precisa ser hospitalizado e receber grande quantidade de medicação durante o tempo de espera pelo órgão novo, diferente do que acontece em grandes centros internacionais.

Por ser uma tecnologia promissora, Jatene defende que seja feito um estudo de custo-efetividade de diversos modelos de DAVs em centros de referência no Brasil. "Já apresentamos alguns desses projetos ao Ministério da Saúde. Nós não conseguimos usar esses dispositivos em todas as pessoas que precisam porque são equipamentos extraordinariamente caros, mas passaríamos a usar num número de pessoas que necessitam, em alguns centros de referência, para que pudéssemos avançar em relação a esse conhecimento."

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CORAÇÃO ARTIFICIAL

Conheça os diferentes tipos e como funcionam

Dispositivo de assistência ventricular esquerda

  • Maioria dos dispositivos utilizados atualmente
  • Desempenha a função do ventrículo esquerdo, que bombeia sangue para todo o corpo, e na maioria dos casos é o responsável pelo quadro de insuficiência cardíaca
  • O aparelho é acoplado ao ventrículo esquerdo e à aorta

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Dispositivo de assistência ventricular direita

  • Desempenha a função do ventrículo direito, que bombeia sangue para o pulmão
  • Neste caso, o coração também nãoé removido; o aparelho é acoplado ao ventrículo direito e à artéria pulmonar

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Dispositivo de assistência biventricular

  • Desempenha a função dos ventrículos direito e esquerdo; o aparelho é uma combinação dos dispositivos de assistência ventricular direita e esquerda
  • O coração também não é removido; um aparelho é acoplado ao ventrículo direito e à artéria pulmonar e outro ao ventrículo esquerdo e à aorta

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Coração artificial total

  • Desempenha a função dos ventrículos direito e esquerdo
  • Os ventrículos são removidos cirurgicamente e o coração artificial total é implantado no lugar deles

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Para que serve

> Ponte para transplante
Para que o paciente possa esperar durante mais tempo e com melhor estado de saúde pelo transplante de coração; quando este ocorre, o aparelho é retirado

> Ponte para recuperação
Para que o coração possa se recuperar de um quadro temporário de insuficiência cardíaca; posteriormente o aparelho é retirado

> Terapia de destino
Alternativa permanente para pacientes que não podem receber um transplante por conta de idade avançada ou problemas de saúde, ou ainda por falta de doadores

Sem batimentos

> Os modelos mais antigos eram pulsáteis, mas os mais modernos tendem a ser de fluxo contínuo, por essa tecnologia permitir que os aparelhos sejam muito menores e mais leves

Bateria

> Os dispositivos funcionam com bateria externa, que precisa ser trocada algumas vezes por dia

À flor da pele

> O cabo de alimentação que conecta as baterias (externas) ao dispositivo implantado passa por um corte feito na pele, normalmente na região abdominal, que fica propício a infecções

Mudança

> No futuro, a transmissão de energia transcutânea poderá vir a acabar com esse problema, eliminando a necessidade do cabo de alimentação

De fora

> Em versões mais simples, não-implantáveis, os aparelhos ficam fora do corpo. Uma cânula emerge da pele com o sangue que, após ser bombeado, volta ao corpo através de outra cânula


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