Folha de S. Paulo


Pesquisa de tumor cerebral ganha prêmio de oncologia

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O glioma é tipo mais comum de câncer de cérebro, mas os tratamentos existentes hoje têm pouco sucesso em combatê-lo.

Mesmo após cirurgia para retirar o tumor e o uso de quimioterapia e radioterapia, a doença teima em reaparecer. Em média, o paciente vive 14 meses após o diagnóstico.

"O tumor encontra um jeito de resistir à quimioterapia, e nós estamos interessados em descobrir de que forma isso acontece", diz a Clarissa Ribeiro Reily Rocha, doutora pela USP e pesquisadora do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

Um estudo de Rocha e colaboradores da USP e da UFRJ conseguiu não só desvendar um dos mecanismos por trás dessa resistência como também mostrou que a combinação de duas drogas pode ampliar a eficácia do tratamento contra o glioma.

O trabalho venceu a categoria Pesquisa em Oncologia do Prêmio Octavio Frias de Oliveira. A cerimônia de entrega será na terça (8), às 20h, no teatro da Faculdade de Medicina da USP.

A premiação é iniciativa do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), em parceria com o Grupo Folha. A láurea, que leva o nome do então publisher da Folha, morto em 2007, busca reconhecer e estimular contribuições na área oncológica.

Na categoria Inovação Tecnológica do prêmio, venceu um estudo que usou uma sonda à laser para aprimorar o diagnóstico em tempo real de lesões cancerosas de esôfago.

Na categoria Personalidade em Destaque, a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) será a premiada em reconhecimento ao seu trabalho na assistência aos pacientes com câncer (leia ao lado).

Para cada categoria, a premiação é de R$ 16 mil. Os vencedores são apontados por comissão composta por representantes do Icesp, da Faculdade de Medicina da USP, do HC da USP, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da Academia Nacional de Medicina, da Academia Brasileira de Ciências, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Oncocentro de São Paulo e da Folha.

TAPEANDO O TUMOR

O pulo do gato da pesquisa de Clarissa Reily Rocha para melhorar o tratamento contra o glioma foi descobrir que os tumores mais resistentes à quimioterapia tinham a expressão de um determinado gene que "decide" qual será a quantidade de um peptídeo chamado glutationa.

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A glutationa é uma espécie de gari da célula, responsável por limpar suas toxinas. O problema é que ela também parece gostar de se ligar ao quimioterápico temozolamida, impedindo que a droga chegue até o núcleo do tumor.

A solução encontrada pela equipe foi usar uma droga experimental que inibe a produção da glutationa, abrindo caminho para que o quimioterápico combata o tumor.

Essa combinação conseguiu driblar a resistência em testes in vitro e em animais.

"O que a gente propõe é medir a quantidade de glutationa nas células dos pacientes para ver se essa substância está em níveis aumentados. Em caso positivo, uma opção no futuro seria usar nossa combinação. É o que
chamamos de terapia-alvo", diz Rocha.

Nascida na pequena Antas (BA), no sertão da Bahia, a pesquisadora saiu de casa aos 12 para estudar em Salvador, seguindo os passos dos dois irmãos mais velhos –hoje um é médico e o outro, farmacêutico. A mãe, professora do ensino fundamental, sempre priorizou a educação dos filhos.

Aprendeu inglês trabalhando na rede de fast food Burger King na Irlanda, enquanto o marido, Alexandre, fazia mestrado em física no país. Depois de ter estudado direito e enfermagem, fez ciências fundamentais para a saúde, na USP.

"As pessoas acham que a vida e a carreira têm de ser lineares, que a ciência é um dom, mas o mais importante é ter persistência e paciência", diz.

OLHAR POTENTE

Se o que moveu o estudo que ganhou o prêmio de Pesquisa em Oncologia era melhorar o tratamento de um tipo de câncer, o objetivo da pesquisa vencedora em Inovação Tecnológica é aprimorar o diagnóstico.

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A equipe da Faculdade de Medicina da USP, liderada pela médica do Icesp Adriana Vaz Safatle-Ribeiro, avaliou o uso de uma sonda a laser na endoscopia para rastrear tumores de esôfago em pessoas que tiveram câncer de cabeça e pescoço.

Como os fatores de risco são os mesmos, há probabilidade maior de esses pacientes terem um novo câncer no esôfago. O incremento da sonda a laser permite aumentar mil vezes a imagem e ver, em tempo real, se as células são cancerosas ou não, sem a necessidade de biópsia. O objetivo é o diagnóstico precoce.

"O método se mostrou muito sensível, com acurácia de 91,9%. Isso pode mudar a conduta terapêutica e melhorar o prognóstico do paciente", diz Safatle-Ribeiro.

PERSONALIDADE

As cartas que a senadora gaúcha Ana Amélia Lemos (PP-RS) recebe dos pacientes com câncer não só inspiram seus projetos de lei como servem de alento para que ela continue trabalhando em prol da saúde.

Sergio Lima/Folhapress
A senadora Ana Amélia (PP-RS), que venceu a categoria Personalidade de Destaque do Prêmio Octavio Frias de Oliveira
A senadora Ana Amélia (PP-RS), que venceu a categoria Personalidade de Destaque do Prêmio Octavio Frias de Oliveira

"Nós vemos tanta coisa errada e tanta corrupção que há momentos em que desanimo e tenho vontade de ir embora. Mas, por outro lado, há muitos pacientes que dizem que eu os ajudei de alguma forma, muitas mulheres que me escrevem agradecendo pela lei da reconstrução da mama", afirma a senadora, laureada na categoria Personalidade de Destaque do Prêmio Octavio Frias de Oliveira de 2017.

"Esse prêmio é mais um desses momentos de incentivo. Compartilho essa distinção com os pacientes", diz.

Suas irmãs também a inspiraram a atuar na área da oncologia. Vera Lúcia morreu aos 44 anos de câncer de mama e Evani conseguiu se curar da doença e hoje é chef de cozinha em Carazinho (RS).

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Como senadora, ela foi relatora da lei 12.732/2012, que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a iniciar o tratamento de pessoas com câncer em no máximo 60 dias após o diagnóstico, e também da lei 12.802/2013, que determina que o SUS faça a reconstrução da mama na mesma cirurgia de retirada do tumor.

Foi ainda autora da lei 12.880/2013, que obriga os planos de saúde a incluir a quimioterapia oral no tratamento domiciliar.

Ana Amélia também apresentou, em conjunto com os senadores Waldemir Moka (PMDB-MS) e Walter Pinheiro (PT-BA), o projeto de lei que agiliza a liberação de pesquisas clínicas no Brasil, para que os pacientes do país possam participar de mais estudos que testam novas terapias.

"Um paciente do Rio Grande do Sul chamado Afonso Hass me mandou uma carta dizendo que gostaria que todas as pessoas tivessem, como ele havia tido, o direito de participar de pesquisas clínicas para ter a esperança de cura ou o prolongamento da vida. Fiquei sensibilizada com aquela carta e daí nasceu o projeto", diz ela. "Meu mandato é colaborativo e mostra que a sociedade pode participar da política."

PRÊMIO OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
ONDE Teatro da Faculdade de Medicina da USP (avenida Dr. Arnaldo, 455, São Paulo)
QUANDO Terça (8), às 20h

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Pesquisas premiadas

Categoria Pesquisa em Oncologia

O alvo
O glioma é o tipo mais comum de câncer de cérebro, mas ele é muito agressivo e dificilmente tem cura. Uma vez diagnosticado com esse tumor, o paciente vive em média 14 meses

O desafio
Os cientistas queriam saber por que o tumor não respondia à quimioterapia e quais são os mecanismos por trás dessa resistência

A resposta
As células mais resistentes à quimioterapia tinham uma quantidade maior de um peptídeo chamado glutationa, que é o principal fator de proteção da célula

A glutationa normalmente se liga às toxinas da célula Ðé como se ela limpasse tudo que pode causar algum dano. O problema é que a glutationa também se liga ao quimioterápico, impedindo que o medicamento chegue até o tumor

O que define se a célula tem mais ou menos glutationa é a expressão de um gene que ativa a sua produção

O estudo mostrou então que o uso de uma droga ainda em teste inibe a produção da glutationa. Depois os cientistas usaram a quimioterapia, já que o caminho estava livre para que ela atingisse o tumor

Juntas, essas duas drogas conseguiram driblar a resistência à quimioterapia em testes feitos em células e também em camundongos

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Categoria Inovação tecnológica em oncologia

O alvo
Pacientes que já tiveram câncer de cabeça e pescoço têm mais chance de ter câncer de esôfago, já que alguns dos fatores de risco são os mesmos, como tabagismo e consumo de álcool

O desafio
Esses pacientes devem submeter-se a endoscopias regularmente para fazer um diagnóstico precoce das lesões que precedem o câncer

A resposta
Para melhorar essa detecção precoce, a pesquisa testou a introdução de uma sonda a laser no canal de trabalho do endoscópio

Isso permite aumentar a imagem em mil vezes e ver em tempo real, no monitor, se lesões muito pequenas, com menos de 1 cm, são cancerosas ou normais

Comprovação
No estudo, os pesquisadores fizeram biópsia das lesões para verificar a eficácia do método. A acurácia dele em predizer se a lesão era ou não cancerosa foi de 91,9%


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