A, B, O ou AB? Quase 40% dos brasileiros não sabem responder essa questão, aponta pesquisa Datafolha feita no mês passado.
"Junho Vermelho", afinal, é o nome da campanha cujo objetivo é estimular as doações de sangue. O mês não foi escolhido à toa: é quando os voluntários esmorecem. Férias, resfriados típicos da época e um resguardo de 30 dias pós-vacina da gripe explicam o menor movimento nos bancos de sangue no inverno.
"A gente fica falando 'vamos doar sangue!', mas uma parcela significativa da população nem sabe seu tipo sanguíneo. Olha a distância que existe até a ação. Já sabíamos que o brasileiro não tem a cultura de doar sangue e, agora, sabemos também que ele não tem esse conhecimento", diz Debi Aronis, fundadora do Movimento Eu Dou Sangue –que encomendou a pesquisa– e do Junho Vermelho.
Os números, porém, podem ser piores, segundo ela. "Esse é o percentual de pessoas que admitiram não saber. Muitas têm vergonha de dizer que não conhecem seu próprio tipo sanguíneo."
De acordo com a pesquisa, o desconhecimento diminui conforme aumenta o grau de instrução –só 20% entre os mais instruídos não sabem seu tipo sanguíneo, ante 50% entre os menos instruídos– e a renda familiar mensal do entrevistado (20% entre os mais ricos ante 47% entre os mais pobres). Mais mulheres sabem esse dado do que os homens.
"Essa informação é dada quando o bebê nasce, mas depois pode acabar se perdendo. Mais tarde existe a possibilidade de ser oferecida novamente na doação de sangue, só que poucos doam. Esse desconhecimento reflete a realidade do nosso país", diz Roberta Fachini, vice-diretora médica do Banco de Sangue do Hospital Sírio-Libanês,
O bancário Guilherme Funicelli, 29, conta que descobriu o seu tipo sanguíneo neste ano, em sua segunda doação. A primeira foi aos 22 anos. "Me falaram naquela época e eu esqueci, nunca precisei dessa informação. Acho que muita gente não sabe e aposto que meus pais não fazem ideia do tipo de sangue que têm", afirma ele.
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Nos últimos 12 meses, 8% dos brasileiros adultos declararam ter doado sangue, segundo a enquete, mas, novamente, a taxa pode estar superestimada devido a um constrangimento em responder de forma negativa.
Segundo o Ministério da Saúde, só 2% da população brasileira doa sangue, e aqui a coisa se inverte: mais homens doam sangue do que as mulheres.
Debi Aronis lembra que esse índice na França é de 10%; em Israel, chega a 12%. "Países que têm história recente de catástrofes, ataques terroristas e guerras estão mais atentos para a importância da doação. Apesar de vivermos uma guerra urbana no Brasil e termos um número alto de acidentes de trânsito, as pessoas não estão sensibilizadas para incluir a doação em seus hábitos", afirma ela.
No Sírio, por exemplo, 80% dos doadores são de repetição –ou seja, quem doa sangue doa sempre ou quase sempre. "O desafio é sensibilizar toda a população saudável que nunca doou e convencê-la de que esse é um ato de solidariedade seguro e rápido", diz Fachini.
Com a campanha, o movimento Eu Dou Sangue calcula que houve aumento de 25% de doações no mês de junho deste ano em comparação com o mesmo mês do ano passado. Na Grande São Paulo, o aumento foi de cerca de 10% em comparação com o mês de maio. Os números oficiais serão contabilizados no próximo mês de acordo com o Ministério da Saúde.
Para doar, é preciso ter de 18 a 65 anos (maiores de 16 podem doar acompanhadas de responsável), ter mais de 50 kg e estar em boas condições de saúde. Mais detalhes e locais de doação estão no site bit.ly/doeseusangue.
DOADOR CONTUMAZ
Nascido na Bolívia e criado no Brasil, Alfredo Quiroz, 52, fez sua primeira doação de sangue aos 20 anos. Não parou mais a pedido de um sobrinho que teve leucemia e lhe fez esse pedido antes de morrer. Na última quarta (5), ele fez sua 244ª doação.
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O entusiasta Alfredo Quiroz em sua 244ª doação de sangue, no Hospital Sírio-Libanes |
"No período em que ele ficou na UTI, vi como era importante existir alguém que doava sangue, que se doava", conta.
Mais tarde, Alfredo conheceu sua esposa, Aruane, que sugeriu aumentar o impacto da boa ação e criar um clube de doadores, a Doadores Adv, hoje com 8.000 membros. Trata-se de uma rede organizada de doadores contumazes, que organiza uma agenda regular de doações e atende pedidos quando há alguém precisando ou em caso de estoques baixos.
"Às vezes à 1h toca o telefone com gente dizendo que tem parente internado precisando de sangue. Nos finais de semana vamos no HC, no Sírio, no São Luiz e no A.C.Camargo. Consigo transporte e lanche, às vezes tiro do próprio bolso, fazemos festa para manter o grupo unido. É melhor do que falar 'vai lá e doa sangue'."
Cerca de duas vezes por mês, Alfredo doa plaquetas, componentes do sangue que participam do processo de coagulação e ajudam no controle de hemorragias. Pacientes com câncer, por exemplo, têm considerável queda no número de plaquetas.
"As pessoas ficam com medo porque o sangue sai por um agulha e entra por outra para separar as plaquetas, mas é seguro e indolor." O intervalo para a doação de plaquetas é menor. Já a doação comum deve ser mais espaçada –homens podem fazer quatro por ano e mulheres, três.
"Posso fazer uma confissão?", pergunta ele. "Tenho pânico de agulha. Mas é melhor enfrentar do que deixar de salvar o próximo por causa de um medo de infância."