Folha de S. Paulo


Quase 40% dos brasileiros não sabem seu tipo de sangue, aponta pesquisa

Danilo Verpa/Folhapress

A, B, O ou AB? Quase 40% dos brasileiros não sabem responder essa questão, aponta pesquisa Datafolha feita no mês passado.

"Junho Vermelho", afinal, é o nome da campanha cujo objetivo é estimular as doações de sangue. O mês não foi escolhido à toa: é quando os voluntários esmorecem. Férias, resfriados típicos da época e um resguardo de 30 dias pós-vacina da gripe explicam o menor movimento nos bancos de sangue no inverno.

"A gente fica falando 'vamos doar sangue!', mas uma parcela significativa da população nem sabe seu tipo sanguíneo. Olha a distância que existe até a ação. Já sabíamos que o brasileiro não tem a cultura de doar sangue e, agora, sabemos também que ele não tem esse conhecimento", diz Debi Aronis, fundadora do Movimento Eu Dou Sangue –que encomendou a pesquisa– e do Junho Vermelho.

Os números, porém, podem ser piores, segundo ela. "Esse é o percentual de pessoas que admitiram não saber. Muitas têm vergonha de dizer que não conhecem seu próprio tipo sanguíneo."

De acordo com a pesquisa, o desconhecimento diminui conforme aumenta o grau de instrução –só 20% entre os mais instruídos não sabem seu tipo sanguíneo, ante 50% entre os menos instruídos– e a renda familiar mensal do entrevistado (20% entre os mais ricos ante 47% entre os mais pobres). Mais mulheres sabem esse dado do que os homens.

"Essa informação é dada quando o bebê nasce, mas depois pode acabar se perdendo. Mais tarde existe a possibilidade de ser oferecida novamente na doação de sangue, só que poucos doam. Esse desconhecimento reflete a realidade do nosso país", diz Roberta Fachini, vice-diretora médica do Banco de Sangue do Hospital Sírio-Libanês,

O bancário Guilherme Funicelli, 29, conta que descobriu o seu tipo sanguíneo neste ano, em sua segunda doação. A primeira foi aos 22 anos. "Me falaram naquela época e eu esqueci, nunca precisei dessa informação. Acho que muita gente não sabe e aposto que meus pais não fazem ideia do tipo de sangue que têm", afirma ele.

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Nos últimos 12 meses, 8% dos brasileiros adultos declararam ter doado sangue, segundo a enquete, mas, novamente, a taxa pode estar superestimada devido a um constrangimento em responder de forma negativa.

Segundo o Ministério da Saúde, só 2% da população brasileira doa sangue, e aqui a coisa se inverte: mais homens doam sangue do que as mulheres.

Debi Aronis lembra que esse índice na França é de 10%; em Israel, chega a 12%. "Países que têm história recente de catástrofes, ataques terroristas e guerras estão mais atentos para a importância da doação. Apesar de vivermos uma guerra urbana no Brasil e termos um número alto de acidentes de trânsito, as pessoas não estão sensibilizadas para incluir a doação em seus hábitos", afirma ela.

No Sírio, por exemplo, 80% dos doadores são de repetição –ou seja, quem doa sangue doa sempre ou quase sempre. "O desafio é sensibilizar toda a população saudável que nunca doou e convencê-la de que esse é um ato de solidariedade seguro e rápido", diz Fachini.

Com a campanha, o movimento Eu Dou Sangue calcula que houve aumento de 25% de doações no mês de junho deste ano em comparação com o mesmo mês do ano passado. Na Grande São Paulo, o aumento foi de cerca de 10% em comparação com o mês de maio. Os números oficiais serão contabilizados no próximo mês de acordo com o Ministério da Saúde.

Para doar, é preciso ter de 18 a 65 anos (maiores de 16 podem doar acompanhadas de responsável), ter mais de 50 kg e estar em boas condições de saúde. Mais detalhes e locais de doação estão no site bit.ly/doeseusangue.

DOADOR CONTUMAZ

Nascido na Bolívia e criado no Brasil, Alfredo Quiroz, 52, fez sua primeira doação de sangue aos 20 anos. Não parou mais a pedido de um sobrinho que teve leucemia e lhe fez esse pedido antes de morrer. Na última quarta (5), ele fez sua 244ª doação.

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O entusiasta Alfredo Quiroz em sua 244ª doação de sangue, no Hospital Sírio-Libanes
O entusiasta Alfredo Quiroz em sua 244ª doação de sangue, no Hospital Sírio-Libanes

"No período em que ele ficou na UTI, vi como era importante existir alguém que doava sangue, que se doava", conta.

Mais tarde, Alfredo conheceu sua esposa, Aruane, que sugeriu aumentar o impacto da boa ação e criar um clube de doadores, a Doadores Adv, hoje com 8.000 membros. Trata-se de uma rede organizada de doadores contumazes, que organiza uma agenda regular de doações e atende pedidos quando há alguém precisando ou em caso de estoques baixos.

"Às vezes à 1h toca o telefone com gente dizendo que tem parente internado precisando de sangue. Nos finais de semana vamos no HC, no Sírio, no São Luiz e no A.C.Camargo. Consigo transporte e lanche, às vezes tiro do próprio bolso, fazemos festa para manter o grupo unido. É melhor do que falar 'vai lá e doa sangue'."

Cerca de duas vezes por mês, Alfredo doa plaquetas, componentes do sangue que participam do processo de coagulação e ajudam no controle de hemorragias. Pacientes com câncer, por exemplo, têm considerável queda no número de plaquetas.

"As pessoas ficam com medo porque o sangue sai por um agulha e entra por outra para separar as plaquetas, mas é seguro e indolor." O intervalo para a doação de plaquetas é menor. Já a doação comum deve ser mais espaçada –homens podem fazer quatro por ano e mulheres, três.

"Posso fazer uma confissão?", pergunta ele. "Tenho pânico de agulha. Mas é melhor enfrentar do que deixar de salvar o próximo por causa de um medo de infância."


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