Folha de S. Paulo


Médicos se preocupam com retrato de suicídio em série da Netflix

Divulgação
Clay (Dylan Minnette) e Hannah (Katherine Langford) são amigos na série
Clay (Dylan Minnette) e Hannah (Katherine Langford) são amigos na série "13 Reasons Why"

A recém-lançada série "13 Reasons Why" (algo como 13 razões pelas quais), da Netflix, caiu na boca do povo por abordar temas polêmicos como suicídio. Contudo, o modo como a trama é conduzida tem preocupado médicos.

Também conhecido pela abreviatura "13rw", o seriado, baseado no livro homônimo lançado em 2007, conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que se suicida. Na história, a personagem aponta os motivos (como bullying e estupro) e as pessoas "culpadas" pelo ato.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), quando o assunto é veiculado ao público de modo adequado, pode ocorrer o efeito de prevenção de mortes e discussão saudável. Por outro lado, quando feito de modo descuidado –como muitos avaliam ser o caso–, o resultado pode ser exatamente o oposto.

A preocupação dos especialistas é que o seriado possa causar um efeito de imitação no mundo real, conhecido como "efeito Werther", nome inspirado no protagonista do livro "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Goethe, publicado em 1774. A popularidade da obra, cujo personagem se mata em decorrência de um amor impossível, desencadeou na Europa uma série de suicídios.

Para Neury Botega, professor da Unicamp e fundador da Abeps (Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio), um dos problemas da série é a ideia de apontar os culpados. "O suicídio é um fenômeno complexo o bastante para não suportar uma explicação simplista, uma causa e efeito", afirma.

Segundo recomendações da OMS para a veiculação de conteúdos relacionados ao suicídio, não se deve tentar atribuir culpas.

Outra questão problemática levantada por especialistas ouvidos pela Folha e também por participantes de grupos de discussão sobre a série é a romantização do suicídio. A história da adolescente contada no pós-morte já traz esse elemento, de acordo com Luís Tófoli, professor de psiquiatria da Unicamp.

Mas a cena mais perigosa da série, segundo os médicos, é a que mostra o suicídio.

"É sensacionalismo deletério, prejudicial para os jovens", diz Alexandrina Meleiro, coordenadora da comissão de estudo e prevenção de suicídio da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Segundo a OMS, não se devem mostrar métodos ou imagens de suicídio. A preocupação é com adolescentes vulneráveis, que podem estar enfrentando problemas ou doenças mentais como a depressão. "A série pode, sim, mobilizar uma pessoa que está muito vulnerável para um ato autoagressivo", diz Botega.

Botega afirma que, ao fim de cada episódio, seria adequado a série destinar alguns poucos minutos para uma fala mais real sobre o assunto, sobre modos de buscar ajuda e pessoas que superaram os problemas presentes.

Segundo Amanda Vidigal, gerente de comunicação da Netflix no Brasil, a série é uma adaptação do livro, no qual essa cena é descrita detalhadamente. "A abordagem foi discutida entre a equipe e consultores na área de saúde. Houve todo um cuidado de tratar um tema sensível com seriedade e autenticidade. São cenas fortes, gráficas, mas é preciso mostrar o quanto aquilo é doloroso às pessoas."

Os especialistas afirmam que, mesmo errando bastante a mão em alguns pontos, a série pode incentivar a conversa e a observação do entorno para sinais de alerta.

Segundo o CVV (Centro de Valorização da Vida) –que possui atendimento 24h– , foram recebidos 1.840 e-mails entre os dias 1º e 10 de abril (período próximo à estreia da série). No mesmo período referente ao mês de março foram 635 e-mails.

Segundo Botega, pode ser interessante que pais e filhos assistam juntos ao seriado.

"Essa série coloca o problema na sala de visita das famílias", diz Botega.

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Sinais de Alerta

Ilustração Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress
  • falar sobre querer morrer
  • procurar formas de se matar
  • falar sobre estar sem esperança ou sobre não ter propósito
  • falar sobre estar se sentindo preso ou sob dor insuportável
  • falar sobre ser um peso para os outros
  • aumento no uso de do álcool e drogas
  • agir de modo ansioso, agitado ou irresponsável
  • dormir muito ou pouco
  • se sentir isolado
  • demonstrar raiva ou falar sobre vingança
  • ter alterações de humor extremas
  • quanto mais sinais, maior pode ser o risco da pessoa
Ilustração Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress

O que fazer

  • não deixar a pessoa sozinha
  • tirar de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes
  • ligar para canais de ajuda
  • levar a pessoa para uma assistência especializada
Ilustração Carolina Daffara/Editoria de Arte/Folhapress

Alguns pontos de alerta para depressão em adolescentes:

  • Mudanças marcantes na personalidade ou nos hábitos
  • Piora do desempenho na escola, no trabalho e em outras atividades rotineiras
  • Afastamento da família e de amigos
  • Perda de interesse em atividades de que gostava
  • Descuido com a aparência
  • Perda ou ganho inusitado de peso
  • Comentários autodepreciativos persistentes
  • Pessimismo em relação ao futuro, desesperança
  • Disforia marcante (combinação de tristeza, irritabilidade e acessos de raiva)
  • Comentários sobre morte, sobre pessoas falecidas e interesse por essa temática
  • Doação de pertences que valorizava

Cerca de 90% das pessoas que morrem de suicídio possuíam transtornos mentais. Elas poderiam ser tratadas e acompanhadas

Mitos em relação ao suicídio

Se eu perguntar sobre suicídio, poderei induzir uma pessoa a isso
Questionar sobre ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco, fortalece o vínculo com uma pessoa, que se sente acolhida e respeitada por alguém que se interessa pela extensão de seu sofrimento.

Ele está ameaçando o suicídio apenas para manipular...
Muitas pessoas que se matam dão previamente sinais verbais ou não verbais de sua intenção para amigos, familiares ou médicos. Ainda que em alguns casos possa haver um componente manipulativo, não se pode deixar de considerar a existência do risco de suicídio.

Quem quer se matar, se mata mesmo
Essa ideia pode conduzir ao imobilismo. Ao contrário dessa ideia, as pessoas que pensam em suicídio frequentemente estão ambivalentes entre viver ou morrer. Quando falamos em prevenção, não se trata de evitar todos os suicídios, mas sim os que podem ser evitados.

Veja se da próxima vez você se mata mesmo!
O comportamento suicida exerce um impacto emocional sobre nós, desencadeia sentimentos de franca hostilidade e rejeição. Isso nos impede de tomar a tentativa de suicídio como um marco a partir do qual podem se mobilizar forças para uma mudança de vida.

Uma vez suicida, sempre suicida!
A elevação do risco de suicídio costuma ser passageira e relacionada a algumas condições de vida. Embora a ideação suicida possa retornar em outros momentos, ela não é permanente. Pessoas que já tentaram o suicídio podem viver, e bem, uma longa vida.

Telefones e sites de ajuda:

Centro de Valorização da Vida (CVV): 141
Também é possível entrar em contato e receber apoio emocional do CVV via internet, a partir de email, chat e Skype 24 horas por dia

Fontes: American Foundation for Suicide Prevention; Centro de Valorização da Vida; "Comportamento suicida: vamos conversar sobre isso?", de Neury José Botega, membro-fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio; "Preventing Suicide: A Global Imperative", da Organização Mundial da Saúde


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