Folha de S. Paulo


Estudos mostram prejuízo causado por vírus da zika mesmo após nascimento

Bebês infectados pelo vírus da zika durante a gestação podem nascer sem microcefalia, mas desenvolver a síndrome mais tarde.

É o que aponta um estudo publicado nesta terça (22) pelos CDC (Centros de Controle de Doenças, dos EUA), uma colaboração entre pesquisadores americanos e brasileiros.

Foram investigadas 13 crianças de Pernambuco e do Ceará que nasceram com a infecção congênita do zika (comprovada por exames laboratoriais), mas sem uma redução pronunciada do crânio, característica da microcefalia.

Aos cinco meses, em nova avaliação, os pesquisadores detectaram que as crianças apresentavam um crescimento lento da cabeça. Entre os bebês, 11 desenvolveram microcefalia. Todos tinham complicações neurológicas significativas, como diminuição do tamanho do cérebro, ventriculomegalia (alargamento de cavidades cerebrais), calcificações e outras más-formações.

Zika e microcefalia

"O estudo revela que entre os bebês de mães expostas ao vírus da zika durante a gravidez, a ausência de microcefalia no nascimento não descarta a infecção congênita ou a presença de anormalidades cerebrais após o nascimento", disseram em nota os CDC.

Segundo a entidade, os resultados reforçam a importância sobre avaliações contínuas do desenvolvimento das crianças expostas ao vírus da zika.

Não é a primeira pesquisa a mostrar que o vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, pode ter efeitos severos mesmo após o nascimento. Um estudo divulgado no final de agosto já havia relatado o caso de uma infecção que resultou em surdez de um bebê com poucos meses de vida.

Há tempos os cientistas já notaram que existe uma facilidade de o vírus da zika atacar o tecido nervoso. Isso quer dizer que, além das complicações cerebrais, os sentidos –visão e audição– também podem ser afetados.

O problema ficou maior agora, quando os médicos e cientistas estão notando que o nascimento não significa necessariamente o fim da piora do quadro. E isso pode significar problemas na atenção à saúde de gestantes e mães que tiveram zika e à de seus filhos.

Para Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto, falta atenção aos filhos classificados como "normais" de mães que tiveram zika.

"Se fossemos seguir os critérios de análise propostos pelo ministério [da Saúde], esses bebês seriam considerados normais", afirma Nogueira. "Os casos de microcefalia grave inicialmente chamaram a atenção, mas esses são só o topo do iceberg e, provavelmente, não é o efeito mais comum do zika."

O professor afirma que, independente do momento econômico do país, os órgãos responsáveis terão que encontrar um jeito para acompanhar a médio e longo prazo um número muito grande de filhos de mães infectadas pelo vírus da zika.

"É necessário que todos os filhos de mãe que tiveram sinais de zika na gravidez tenham acompanhamento.", diz Vanessa Van Der Linden, neuropediatra da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) em Pernambuco, que participou da pesquisa. "Podemos até ter mais surpresas pela frente."

O ministério da Saúde, por sua vez, afirma que está ciente de possíveis sequelas relacionados à zika além da microcefalia. As crianças com mães infectadas serão acompanhadas por três anos, disse, em nota.

"Os pediatras precisam ficar atentos ao desenvolvimento neurológico da criança, principalmente para casos de histórico de zika na gravidez", afirma Vanessa.

QUALQUER HORA

Além da microcefalia, o vírus da zika pode causar outros problemas em fetos em qualquer fase da gestação. Um estudo, com gestantes na região de São José do Rio Preto, coordenado por Nogueira, detectou casos de infecção no último mês de gravidez que resultaram em danos cerebrais nos bebês. A possibilidade já havia sido levantada em pesquisas anteriores.

Não houve casos de microcefalia ou de aborto, mas cerca de 30% das crianças que nasceram das grávidas infectadas apresentavam manifestações relacionadas à zika. O estudo contou inicialmente com 1.200 mulheres.

Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti

"Todas as crianças eram aparentemente normais no nascimento, mas, examinando com mais cuidado, percebemos os danos", diz o professor.

Entre os problemas encontrados nos bebês estão surdez -de um dos ouvidos-, danos de retina, inflamação e cistos cerebrais.

Ainda será necessário acompanhar mães e crianças por mais tempo, diz Nogueira, para ter um quadro mais preciso dos prejuízos provocados pelo vírus.

Um outro estudo, realizado no Rio, já havia levantado a possibilidade do vírus da zika afetar a saúde do feto em qualquer etapa gestacional. Essa pesquisa foi divulgada em março deste ano na revista científica "The New England Journal of Medicine". A de Nogueira ainda não foi publicada.


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