Folha de S. Paulo


Elogiar demais as crianças pode gerar um duro golpe na autoestima

Avener Prado/Folhapress
Fernanda Levy, 36, mãe de Ana Beatriz, 5, e Gabriela, de 2, se preocupa em não elogiar demais as filhas
Fernanda Levy, 36, mãe de Ana Beatriz, 5, e Gabriela, 2, se preocupa em não elogiar demais as filhas

A construção da autoestima ganhou tanta ênfase na educação das crianças nas últimas décadas que pais e educadores saíram distribuindo elogios a torto e a direito.

A ideia de que a criança que acredita em seu potencial não encontra limites para suas realizações é sedutora, mas estudos –e a experiência de quem lida com o universo infantil– vêm mostrando que o excesso de elogios foi mais um golpe na autoestima dos pequenos.

Uma das pesquisas, publicada no ano passado no periódico "Proceedings of the National Academy of Sciences", concluiu que a maioria dos filhos muito elogiados pelos pais obteve uma pontuação mais alta em testes de narcisismo –em outras palavras, eles se consideram melhores que os demais.

O exagero começou quando os filhos passaram a ser considerados o grande bem dos pais, afirma a psicanalista Miriam Debieux Rosa, professora da PUC-SP e da USP. "Hoje a criança não pode ter frustrações nem ser confrontada com a realidade e com suas limitações, o que não é educativo", diz.

A pesquisadora Adriana Baralle, 35, mãe de Anita, 7, e Maria, 2, diz que se considera um "mau exemplo" nesse quesito porque sempre ouviu –e acreditou– que era importante elogiar muito as crianças.

Resultado: a filha mais velha não aceita ser ensinada ou corrigida. "Quando aparece um conceito ou uma palavra nova, ela não pergunta o que significa, ela inventa a resposta", afirma a mãe. "Exagerei demais. Agora está caindo a ficha e estou tentando balancear melhor. A autoestima é importante, mas tem que ter senso crítico também."

Adriana conta um episódio, na primeira apresentação de dança da filha, que a levou a essa reflexão. "Quando acabou, eu lhe dei os parabéns e ela me disse: 'Ai, dancei superbem, né?' É tão comum para ela ouvir os meus elogios que ela já assume como verdade. Falta uma dose de humildade."

Danilo Verpa/Folhapress
Anita, 7, em praça de SP; sua mãe, Adriana, diz que exagerou nos elogios às filhas
Anita, 7, em praça de SP; sua mãe, Adriana, diz que exagerou nos elogios às filhas

A diretora de marketing Juliana Machado, 37, mãe de José, 4, prefere enfatizar sempre o empenho do menino. "Para mim, o que mais faz sentido é o elogio do esforço e de alguma coisa que seja relevante do ponto de vista da dedicação dele", afirma.

Para o neuropediatra Rudimar Riesgo, da Sociedade Brasileira de Pediatria, a preocupação excessiva com a autoestima vem levando os pais, em geral, a negligenciar um aspecto essencial da educação: o preparo para lidar com a frustração. "Se a autoestima da criança for inflada de forma artificial, ela sucumbe logo adiante, geralmente quando observa outras crianças", diz.

Riesgo ensina que o mais sensato é elogiar "a conta gotas", em busca de um meio termo. "As crianças com muita autoestima têm dificuldade de lidar com as frustrações, assim como aquelas com pouca autoestima. Os pais devem elogiar quando possível, sem deixar de criticar quando for necessário."

A psicóloga da PUC-SP Ceneide Cerveny lembra que as crianças são sensíveis e espertas, e percebem como falsidade elogios não sinceros e em demasia.

A advogada Fernanda Levy, 36, mãe de Ana Beatriz, 5, e Gabriela, de dois e nove meses, se preocupa em não fazer elogios à toa para que as meninas sintam satisfação com as próprias conquistas. "Como elas são pequenas, eu as estimulo a se vestirem, comerem sozinhas, e dou apoio só quando pedem ou vejo que minha intervenção é necessária".

Para o pediatra Henrique Klajner, a autoestima não pode ser construída, mas sim conquistada por esforço próprio. O médico aconselha os pais a expressarem satisfação quando aprovam um comportamento ou realização do filho, porque a atitude faz com que a criança se sinta "incluída" no modelo dela. "Mas o elogio é uma barreira à continuação das conquistas. Se a criança acha que chegou ao topo, ela para de tentar."

A administradora Érica Monteiro, 39, mãe de Lorenzo, 6, e de Rafaela, 3, segue as orientações de Klajner e diz que o mais difícil é lidar com as "influências externas", de parentes e amigos. "Desde bebês eu coloquei limites, e eles foram conquistando a autoestima sozinhos."

Ceneide Cerveny ressalta, no entanto, que a autoestima das crianças não depende apenas das atitudes de pais e mestres. "Há fatores internos e externos, da história de vida, do convívio, de como você significa suas experiências", afirma. E conclui: "Se crianças forem elogiadas na medida certa, com sinceridade, elas provavelmente se sentirão mais confiantes."


Endereço da página: