Folha de S. Paulo


Veja o que a ciência já descobriu e o que ainda não se sabe sobre maconha

Jordan Greentree/Flickr

O debate sobre o uso de maconha foi reaceso há pouco com a publicação de um novo estudo que mostrava poucos malefícios causados pela erva na saúde física em um longo prazo.

A pesquisa era robusta: acompanhou cerca de mil pessoas por décadas. O único dano atribuível ao consumo da maconha durante 20 anos? Uma saúde bucal pior.

Quanto a outros parâmetros, houve algumas melhoras irrisórias ou pioras questionáveis –é o caso da função pulmonar dos usuários.

Como o estudo foi conduzido entre os 18 e os 38 anos de vida dos pacientes, porém, ainda não é possível saber o efeito da maconha em doenças neurodegenerativas, que costumam aparecer mais na terceira idade.

Mas o mesmo grupo de cientistas, estudando os mesmos mil pacientes, já havia obtido grande repercussão internacional ao mostrar que o uso frequente de maconha na adolescência provoca perdas cognitivas consideráveis na fase adulta –queda de 8 pontos em um teste de QI.

A explicação para isso é que os canabinoides teriam capacidade de interferir na formação das conexões nervosas, alterando a estrutura do cérebro, que ainda está em formação nessa fase da vida. Nesse sentido, há um consenso entre estudiosos de que se deve evitar ao máximo a exposição precoce à maconha.

Por outro lado, se o hábito de fumar começa na vida adulta, há menos risco de danos, aponta o grupo.

ESTRATÉGIA

As duas pesquisas, lideradas por Madeline Meier, da Universidade do Estado do Arizona (EUA), ganharam destaque por ocuparem uma lacuna que a ciência ainda está começando a preencher: descrever os efeitos de longo prazo do uso da erva.

Dados assim ajudam a deixar o debate menos político e apaixonado e mais científico –e também a esclarecer os mitos que rodeiam a erva.

Um dos mais comuns é o que diz que a maconha não causa dependência, que afeta 9% dos usuários (o número sobe para 17% quando o uso começa na adolescência). Mas é importante considerar que, em comparação com nicotina, heroína, cocaína e até mesmo a cafeína, o poder de vício da maconha é o menor.

Outra associação importante é aquela entre maconha e esquizofrenia. O uso de maconha está relacionado à doença, mas isso não quer necessariamente dizer que a erva é a causa exclusiva –provavelmente a doença aparece em quem já tem predisposição genética, e há uma tendência das pessoas afetadas de usar a droga como uma espécie de "tratamento" dos sintomas.

Por fim, casos de overdose, de fato, são raros. (A menos quando se trata de maconha sintética, que na verdade nem cannabis é. A droga é composta de uma base vegetal borrifada com versões sintéticas de THC, mais potentes. O THC é o principal composto psicoativo da maconha).

No entanto, entender a ação no organismo dos principais canabinoides, entre dezenas de outros presentes na maconha, não é tarefa fácil. Os receptores farmacológicos onde essas moléculas atuam estão presentes tanto no cérebro quanto em outros órgãos e tecidos do organismo.

Esses receptores vêm sendo ligados a diversas funções no organismo –além, é claro, àquelas do sistema nervoso central. Entre elas estão a formação da placenta, durante a gravidez, e a ação de células de defesa do organismo.

A interferência dos canabinoides exógenos no funcionamento de cada um desses sistemas ainda está começando a ser compreendida, o que, como em outros casos, resulta em uma recomendação mais veemente para que a droga não seja usada na gravidez, por exemplo.

Para complicar, sabe-se que o nível de THC está cada vez mais elevado na maconha que chega ao usuário. Com isso, é esperado que os efeitos indesejados se tornem cada vez mais presentes e mais bem caracterizados.

Quantidade de THC na maconha - Em %

PROGNÓSTICO

Um dos pilares que compõem o multifacetado debate sobre o uso de maconha é seu uso medicinal, que tem raízes milenares. As comprovações de eficácia para algumas poucas enfermidades, no entanto, são bem recentes.

As principais indicações para medicamentos à base de cannabis (que tem como princípios ativos o canabidiol, CBD, e/ou tetraidrocanabinol, THC) são dores (neuropatias de diversas origens), sintomas de espasticidade (alteração abrupta do tônus muscular), e fraqueza extrema (em condições como câncer e Aids, por exemplo).

ERVA QUE CURA

Mas, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), um problema é o uso da maconha ou de medicamentos à base de cannabis sem indicação médica.
Um dos locais onde houve liberação do comércio da droga, Denver, no Colorado (EUA), se tornou um polo de turismo médico-canábico.

Com falta de informação e educação sobre a erva, além de intoxicação e efeitos indesejados, essas pessoas podem estar realizando um tratamento ineficaz, mascarando e piorando seu quadro geral de saúde.

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O mundo da maconha

Uso antigo

Há indícios de que fumaça de maconha tenha sido inalada quase 5 mil anos atrás na atual Romênia, também há registros de uso cerca de antiga China, há quase milênios, período em que também provavelmente houve uso no antigo Egito.

Editoria de Arte/Folhapress
O MUNDO DA MACONHAUso antigo

E HOJE?

Uso da maconha na população de 15 a 64 anos (%)

POSSÍVEIS EFEITOS DA MACONHA

Desejados

  • Sensação de bem-estar/torpor
  • Relaxamento
  • Afloração da sexualidade
  • Aumento da afinidade com artes plásticas e música
  • Introspecção

Indesejados

  • Déficit de atenção/ de comunicação
  • Perda de concentração
  • Boca seca
  • Fadiga
  • Sonolência
  • Diminuição da capacidade de tomar decisões
  • Aumento da impulsividade
  • Aumento do tempo de reação
  • Paranoia/Psicose
  • Diminuição da capacidade de dirigir ou operar máquinas
  • Risco de machucados/acidentes
  • Enjoos/vômitos

Raros

  • Alucinações
  • Ataques de pânico
  • Infarto
  • AVC
  • Dificuldade de respirar (especialmente quando combinada com tabaco)
  • Overdose (muito raro)

Longo prazo *

  • Dependência
  • Perda de função cognitiva
  • Depressão
  • Ansiedade
  • Insônia
  • Suicídio
  • Problemas de apetite
  • Alterações da estrutura cerebral
  • Bronquite crônica
  • Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
  • Fumaça quente/partículas podem aumentar risco de câncer

ANATOMIA VEGETAL

Jordan Greentree/Flickr
Maconha chernobyl

A região da maconha onde há maior concentração de THC é a parte superior (flor e folhas) de plantas fêmeas, criadas em condições especiais. Alguns produtores criam variedades da erva, com níveis personalizados de THC e outros canabinoides como o canabidiol (CBD).

*Vários estudos de longo prazo, apesar de trazer indícios, não são conclusivos quanto ao fato de ser a maconha a causadora

Fontes: "Pnas", "Jama", "Jama Psychiatry", "New England Journal of Medicine", Global Drug Survey, Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime


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