Folha de S. Paulo


Adultos podem desenvolver deficit de atenção, diz pesquisa brasileira

Adam Lynch/Flickr

Não é só durante a infância que podem surgir sintomas do transtorno do defict de atenção e hiperatividade (TDAH), de acordo com um novo estudo brasileiro.

A pesquisa aponta que, ao contrário do que estabelece o DSM, manual de psiquiatria americano usado como referência em diversos países, o TDAH poderia surgir em adultos que não apresentaram sintomas até a puberdade.

O estudo, publicado em maio no "Journal of the American Medical Association – Psychiatry", acompanhou mais de quatro mil pessoas dos 11 aos 18 anos de idade. No início da pesquisa, 8,9% dos participantes foram diagnosticados com TDAH. No fim, aos 18 anos, 12,2% tinham o transtorno.

Excluindo indivíduos que apresentavam fatores que podiam influenciar no resultado, como por exemplo o abuso de drogas, os pesquisadores chegaram a um total de 6,3% de adultos com TDAH.

O interessante é que somente 17,2% das crianças com o transtorno continuaram apresentando sintomas na idade adulta e apenas 12,6% dos adultos com o problema o tinham na infância. A preponderância de meninos com deficit de atenção também se inverteu na idade adulta, quando o problema acometeu mais mulheres.

MÉRITO DOS PAIS

Muita coisa pode explicar essa disparidade. É possível, por exemplo, que pais cuidadosos e estímulos ambientais amenizem um defict de atenção na infância. Já na idade adulta, quando a cobrança aumenta, seria mais difícil mascarar os sintomas.

"Mas também é possível que estejamos diante de dois problemas distintos. O TDAH adulto pode ser independente do infantil", explica Luis Augusto Rohde, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e um dos autores do estudo.

Rohde foi o único brasileiro convidado pela Associação de Psiquiatria Americana para elaborar a última versão do DSM. Ele falou à Folha durante o World Congress on Brain, Behavior and Emotions, que aconteceu nesta semana, em Buenos Aires, na Argentina.

Longe das obrigações escolares, o defict de atenção ganha contornos mais graves. "Pesquisas apontam que adultos com TDAH se envolvem em mais acidentes de trânsito, brigas, são mais propensos a serem presos, a contraírem doenças sexualmente transmissíveis, a largarem os estudos. São, em suma, pessoas mais impulsivas e com dificuldades em lidar com as exigências da vida adulta", diz o psiquiatra Ernesto Martínez, da Universidad del Norte, na Colômbia.

"Talvez o maior problema do adulto com esse tipo defict seja a dificuldade em prospectar consequências futuras e em sentir prazer com planos", diz o neurologista André Palmini, da PUC do Rio Grande do Sul. "Pesquisas mostram que um adulto normal pode ter seu sistema de recompensa ativado diante da possibilidade de conquistar algo. Quem tem TDHA só sente prazer quando o prêmio de fato chega".

Isso tornaria os portadores da síndrome mais imediatistas. Vivendo mais "da mão para a boca", por assim dizer. "É como se o cérebro dessa pessoa fosse eternamente adolescente", conclui Palmini.

O tratamento para adultos é semelhante ao das crianças. Envolve medicamentos (sendo a Ritalina o mais difundido) e práticas complementares como treinamento cognitivo e meditação, usados para diminuir a dispersão.

Deficit de atenção

DOPING INTELECTUAL

Mas será que todo mundo que acha que tem defict de atenção de fato tem? Será que não estamos vivendo em um mundo propenso a distrações e com expectativas irreais de produtividade?

Com certeza, diz Rohde. "Há dez anos, era raro eu atender um paciente que achasse que tinha a síndrome e não tinha de fato. Hoje, se me chegam dez pessoas, três ou quatro devem ter um problema real".

Para ele, o mito da produtividade plena e a expectativa de que sejamos multitarefa faz com que muitos busquem tratamento para doenças inexistentes.

"Recebi um paciente que trabalhava no mercado financeiro e precisava acompanhar vários monitores ao mesmo tempo, com informações de diversos mercados. Às vezes ele perdia detalhes e isso acarretava em perdas milionárias. Mas ele nunca havia tido problemas de atenção anteriormente e não os tinha em outras atividades, era uma coisa localizada. Essa pessoa tem TDAH? Não, ela está se propondo a fazer uma coisa que poucos conseguiriam. Nossa capacidade de atenção é naturalmente limitada, e varia de pessoa para pessoa", diz Rohde.

Uma questão espinhosa é se seria ético tomar remédios para TDAH sem ter o problema, apenas para aumentar a produtividade. "Não há pesquisas conclusivas sobre o quanto essas drogas podem ajudar pessoas normais. Que elas funcionam, funcionam, mas não sabemos o quanto. É possível que muito do benefício seja placebo", diz Rohde.

"É claro que o trabalhador que toma Ritalina vai produzir mais, e isso pode não ser justo com aquele que não toma. Mas não é assim com outras coisas? Com cirurgia plástica, por exemplo?", questiona Palmini. Para ele, se o médico explica os riscos, sobretudo ao coração, e o paciente decide tomar, não há problemas éticos em receitar.

"Em medicina trabalhamos com uma equação de riscos contra benefícios. Em uma pessoa que tem o transtorno, os benefícios mais do que compensam os riscos. Em uma pessoa saudável, essa conta pode não fechar", explica.

"A questão é pensar até que ponto enquanto sociedade queremos ser máquinas de produtividade. O quanto isso não vai trazer mais sofrimento do que benefício", conclui.

A jornalista JULIANA CUNHA viajou a convite do Congresso Mundial do Cérebro, Comportamento e Emoções


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