Não sabe mais o que fazer para que a hora de pôr as crianças na cama deixe de ser um tormento? Não se desespere, há uma luz no fim do túnel. Segundo um novo estudo, deixar o filho chorando no quarto durante intervalos curtos por noites seguidas ou atrasar a hora de ir para a cama não apenas funciona como não deixa a criança estressada nem prejudica o vínculo com os pais.
Mas há um porém. Segundo especialistas, técnicas comportamentais –disseminadas no Brasil em livros como "Nana, nenê" e "A Encantadora de bebês"– são métodos importados que combinam muito mais com sociedades rígidas na educação dos filhos, como as de alguns países europeus e dos Estados Unidos (de onde vem a maioria das pesquisas sobre o assunto), do que com o estilo liberal das famílias brasileiras.
Raquel Cunha/Folhapress | ||
A designer Audrey Vargas Lustig, 36, com a filha Corina, 5; combinação de técnicas ajudou na hora de ir dormir |
"De modo geral, todas as técnicas comportamentais trazem uma melhoria do sono, mas, na prática, os pais chegam ao consultório dizendo que leram tudo sobre elas na internet e que não vão fazer nada disso", conta a neurologista infantil Magda Lahorgue Nunes, coordenadora do grupo de estudos do sono da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Assim, diz a médica, o melhor método para "ensinar" a criança a dormir é aquele que os pais se comprometem a seguir. Além de considerar a rotina da família e a personalidade de cada filho antes de definir uma estratégia, eles precisam ter paciência e resiliência para suportar muito choro e protesto.
A psicóloga Sabrina Grunwald Forte, 37, mãe de Marina, 4, e Felipe, 2, deixou cada um deles sozinho no berço por períodos diferentes. Mesmo assim, recebeu "olhares tortos" da família. "Foi ainda mais difícil com a babá, que morria de pena de ver a criança chorando."
PESQUISA
O estudo, publicado no periódico "Pediatrics", dividiu 43 crianças australianas de 6 a 16 meses de idade, todas saudáveis, mas com problemas de sono, em três grupos.
Em um deles, os pais tentaram a extinção gradual, técnica na qual se permite que o bebê chore por intervalos curtos regulares durante várias noites. O outro tentou atrasar o momento de ir para a cama gradualmente. O terceiro funcionou como controle.
Um ano depois, foi observado que as duas técnicas reduziram o tempo que as crianças demoravam para dormir e que a extinção gradual também diminuiu o número de despertares noturnos em comparação ao grupo controle.
Os níveis de cortisol, hormônio que mede o estresse, estavam normais nos bebês dos três grupos, e não houve diferença nas medidas de bem-estar emocional e comportamental das crianças.
CRÍTICAS
Uma das principais críticas às técnicas que deixam o bebê chorando até pegar no sono é que elas prejudicam a ligação entre mãe e filho e "ensinam" tão somente o sentimento de abandono.
Mas estudos anteriores –nenhum foi realizado no Brasil até agora– já haviam sugerido que não há danos à criança. "Os nossos ancestrais botavam limites e ninguém ficava traumatizado", afirma a neurologista infantil Rosana Cardoso Alves, do departamento de sono da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
A médica diz que entre os seis meses e o primeiro ano de vida do bebê o mais importante é estabelecer uma rotina –incluindo preparar a casa e a criança para o sono– em vez de apelar para uma técnica comportamental.
Os seis meses são um marco importante porque nessa época o bebê saudável não precisa mais acordar para mamar. Mesmo assim, é normal que as crianças despertem durante a noite e voltem a dormir espontaneamente, desde que ninguém interfira.
"Os pais não devem achar que todo resmungo ou agitação significa que o bebê precisa deles, porque sua presença interfere no sono e acostuma a tê-los por perto na hora de dormir", diz a pediatra Anete Colucci, da Unifesp.
Até um ano e meio de idade, a filha mais velha de Audrey Vargas Lustig, 36, Corina, hoje com 5 anos, acordava toda noite devido ao "vício" de mamar. A designer, que também é mãe de Oliver, de dois meses e meio, diz que mesmo com uma rotina estruturada e horário para dormir a filha acordava muito.
"Quando chegou num ponto insustentável, tentamos o 'Nana, nenê' algumas vezes, mas não aguentamos porque ela chorava muito. O que funcionou foi misturar as técnicas e tirar o vício do mamá e do colo de madrugada. O treino durou um mês e pouco e ela passou a virar a noite dormindo."
PROBLEMA NOVO
O sono dos filhos passou a ser um problema para os pais há poucas gerações. Mudanças sociais, como mães que trabalham fora em tempo integral e ficam pouco com as crianças, geralmente à noite, e avanços na medicina que mostraram a importância do sono e as consequências negativas da privação contribuíram para a preocupação com o tema.
"Os pais vivem a angústia de que os filhos estão sendo terceirizados e passam uma dupla mensagem à criança: estão cansados, mas culpados por passarem tanto tempo longe. Eles trocam a leitura, a companhia e a conversa com o filho por um vídeo, um programa, e esperam que seja possível desligar a criança junto com a TV", resume Colucci.
Anos atrás, continua Nunes, não havia discussão: "os pais mandavam dormir e todo mundo ia". "Agora eles estão um pouco perdidos, todo mundo chega tarde e o momento de encontro da família acaba sendo à noite. Essa mudança social influenciou o hábito de sono", completa.