Folha de S. Paulo


Livro conta como guerras fizeram a medicina evoluir

Medicina nas Guerras

Em uma grande guerra, morre-se aos milhares. Mas, ainda que morram depois, boa parte das vítimas passa por hospitais de campanha. Nessas ocasiões, os médicos se encontram em uma situação particularmente propícia à inovação. Há uma profusão de pacientes, muitos deles com casos similares, novos problemas surgem, os recursos são limitados e a gravidade dos ferimentos justifica se arriscar em técnicas incipientes ou até inéditas.

"É por isso que eu digo que os campos de batalha são verdadeiros laboratórios a céu aberto para a ciência médica", diz José Maria Orlando, médico intensivista e autor do livro "Vencendo a morte - Como as guerras fizeram a medicina evoluir", que é lançado nesta semana.

O livro conta como técnicas cirúrgicas foram desenvolvidas e aprimoradas nas frentes de batalha, além de procedimentos como a triagem de pacientes (implementada durante as guerras napoleônicas para definir quem teria mais chance de sobreviver se recebesse cuidados médicos primeiro), o uso de ambulâncias e equipamentos de segurança. Um exemplo é o do cinto de segurança, que começou a ser usado para manter os pilotos presos aos caças durante a Primeira Guerra Mundial.

Orlando, que foi presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, já escreveu livros técnicos sobre UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo). Dessa vez, no entanto, resolveu enveredar pela história da medicina e fazer algo voltado ao público geral, sobretudo aos amantes da temática bélica.

"Não se trata de exaltar a violência, mas de ver como a medicina militar beneficiou e influenciou certas práticas da medicina civil. Se você reparar bem, o funcionamento de um pronto-socorro tem um clima de disciplina militar."

Até pouco mais de cem anos atrás, as guerras eram mais letais nas infecções e epidemias do que nos campos de batalha. Morria-se mais de malária, cólera, varíola, de fezes amontoadas em trincheiras e pernas arrancadas em cirurgias sem anestesia e com pouca higiene do que de bala ou espada. Esse cenário só começou a se modificar a partir da Primeira Grande Guerra Mundial, em função do desenvolvimento de novas opções de diagnóstico e tratamento, do advento dos antibióticos, das cirurgias mais complexas que agora podiam ser conduzidas com maior segurança e conforto sob efeito de anestésicos, da melhoria das condições sanitárias e da prevenção de muitas doenças graças ao surgimento das vacinas E também porque as armas ficara mais letais, a exemplo das metralhadoras, que entraram em cena no fim do século 19.

Um dos maiores avanços da medicina durante a Primeira Guerra Mundial foi que os soldados que sofriam ferimentos graves e perdiam muito sangue passaram a receber soro fisiológico diretamente na veia. Antes disso, aplicações de soro intravenosas eram incomuns e os estudos sobre choque hemorrágico eram incipientes.

Quando Guerra Civil Espanhola foi deflagrada, a medicina civil já havia descoberto as transfusões de sangue, mas seu uso era extremamente restrito. Além de fazer transfusões em larga escala, a Guerra Civil Espanhola ajudou a consolidar o conceito de banco de sangue.

Na Segunda Guerra Mundial, novas drogas, incluindo as sulfonamidas e a penicilina, foram usadas para o tratamento de feridas e doenças venéreas. As transfusões de sangue se tornaram comuns como resultado de novas técnicas de armazenamento. Cirurgias vasculares começaram a ser utilizadas e o conceito de hospital móvel foi aperfeiçoado.

O número de amputações foi drasticamente reduzido durante a Guerra da Coreia devido à expansão de novas técnicas de cirurgia vascular. Também começaram a ser usadas máquinas de hemodiálise para tratar soldados que tinham insuficiência renal depois de sofrerem hemorragias severas e desenvolverem choque circulatório. Foi ainda nessa guerra que o resgate aéreo por meio de helicópteros se tornou mais comum.

Vencendo a Morte
J. M. Orlando
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Nos hospitais de campanha da Guerra do Vietnã, médicos descreveram pela primeira vez um fenômeno chamado "pulmão de choque", que ocorre quando o paciente recebe um grande volume de sangue ou de soro para compensar as perdas hemorrágicas e esses líquidos se infiltram nos alvéolos pulmonares. A partir daí, os médicos aprenderam a dosar melhor o volume de soros e transfusões sanguíneas ofertados.

"A psiquiatria também fez avanços consideráveis no estudo do estresse pós-traumático. Durante a Segunda Guerra, o exército alemão, por exemplo, simplesmente executava soldados com esse tipo de quadro", diz Orlando.


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