Folha de S. Paulo


Análise

Investigação do DNA revela muitas 'letras', mas nem tanta informação

A partir da década de 1990, quando o genoma humano começou a ser investigado, a ciência das letrinhas químicas começou a ganhar contornos mais reais e a balizar, pouco a pouco, condutas na área da saúde.

Nesse sentido, ferramentas como o software Elsie são bem-vindas. Existem casos em que uma informação clara pode salvar uma vida.

Por exemplo, uma certa mutação no gene BRCA1 pode significar uma chance de 87% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida. Foi o caso da atriz americana Angelina Jolie –ela se submeteu a uma dupla mastectomia preventiva em 2013.

O problema é que nem sempre essa chance é tão clara. Uma alteração aleatória na sequência de letrinhas químicas (bases nitrogenadas que são representadas por A, T, C e G) geralmente é inócua.

Mesmo que uma pessoa tenha mutações relacionadas a doenças, nem sempre estas aparecerão. Pode haver várias e a interação entre elas também é importante.

É claro que, tendo uma dessas mutações, a probabilidade de tumor aumenta, mas ela pode ir, digamos, de 0,1% para 0,3% –a chance triplicou mas está longe de ser uma catástrofe para a saúde do indivíduo.

A medicina ainda se ressente com a falta de informação sobre o que as alterações genéticas realmente significam para um paciente em particular. Por isso, uma alternativa mais barata ao sequenciamento seriam os painéis genômicos.

Quando há um diagnóstico de câncer, por exemplo, é possível saber se o paciente apresenta alguma das mutações já conhecidas e relacionadas à doença. Sai menos informação do que um sequenciamento completo, mas com uma densidade de significado maior, direto ao ponto.

Com essa informação, também é possível definir o tratamento –algumas drogas funcionam melhor quando alguns marcadores detectados no painel "acendem".

Por outro lado, valendo-se do sequenciamento, é possível descobrir novas mutações que, de repente, também estão relacionadas a doenças.

Para o futuro da ciência, toda a informação é útil. Do ponto de vista do paciente, porém, sequenciar demais pode não adiantar nada.

No caso do câncer, o genoma que interessa na maior parte das vezes (após o diagnóstico) não é o do paciente, mas sim o do tumor, que se comporta como um organismo intruso, com suas próprias peculiaridades e mutações.

Por isso, seria prematuro estimar o tamanho do benefício da chegada de um "genoma completo para iniciantes" aos consultórios brasileiros. A promessa é ajudar a selecionar drogas e tratamentos mais adequados, mas o temor é que vire um passatempo para hipocondríacos dispostos a gastar alguns milhares de reais na caça doentia de probabilidades.

Linha do tempo: O despertar do genoma


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