Aos 23 anos, a fotógrafa Caroline Curti foi pega de surpresa ao descobrir que tinha um cisto no ovário direito e teria que fazer uma cirurgia de emergência para retirar o órgão e as trompas. Tudo havia começado com fortes dores que, pensou ela, não deviam ser nada de mais.
Foram quatro dias à espera da autorização do plano de saúde para fazer uma cirurgia minimamente invasiva. Como a situação pedia pressa e a resposta não veio, Caroline teve que se submeter à operação aberta, com um corte igual ao de uma cesariana.
"Foi tudo muito traumático, me senti mutilada. Podia ter sido mais simples, mas por causa de burocracia fiquei com essa lembrança."
Dois anos se passaram. E então Caroline foi atrás de um projeto antigo: aprender a bordar e explorar um novo tipo de expressão. Assistiu a um curso on-line do Clube do Bordado no fim de 2015 e decidiu que desenharia um útero sem o ovário direito.
Danilo Verpa/Folhapress | ||
Caroline Curti, 25, fez um bordado no qual retrata a retirada de seu ovário direito |
"Quando terminei o bordado, fiquei muito emocionada. Ele ajudou a encerrar um capítulo. Foi um processo de aceitação do meu novo corpo como ele é, independentemente de ter uma cicatriz ou um ovário a menos. Foi como se eu dissesse: 'agora estou pronta para continuar'."
Para a designer Marina Dini, 29, que faz parte do Clube do Bordado, a atividade a ajuda a se concentrar apenas naquele momento, a relaxar e a tirá-la da frente das telas e do excesso de informações.
"É uma atividade que me traz calma e estimula a reflexão, principalmente quando estou ansiosa", diz.
Histórias como a de Caroline e Marina mostram como bordar e tricotar pode trazer benefícios para a saúde. E estudos e especialistas garantem que esses efeitos são maiores do que se pensava.
O cardiologista americano Herbert Benson, professor de medicina integrativa de Harvard, afirma que atividades como bordar e tricotar induzem a um estado de relaxamento similar ao da meditação e da ioga. Depois que se passa da curva inicial de aprendizado, essas atividades podem reduzir os batimentos cardíacos, a pressão arterial e os níveis de hormônios ligados ao estresse.
Bruno Poletti/Folhapress | ||
A designer Marina Dini, 29, que diz que bordar a deixa mais calma e ajuda na ansiedade |
Já uma pesquisa da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, com 38 mulheres com anorexia, apontou que tricotar trouxe significativas melhorias. Mais de 70% delas disseram que a atividade reduziu a intensidade de seus medos e pensamentos sobre o distúrbio alimentar.
Outro estudo, publicado no "Journal of Neuropsychiatry & Clinical Neurosciences", apontou que praticar atividades manuais como crochê e tricô reduz as chances de transtornos cognitivos leves e perda de memória. O estudo foi feito com 1.321 pessoas entre 70 e 89 anos.
A atividade também pode ajudar a reduzir a dor, segundo pesquisa com pacientes com dores crônicas do sistema público de saúde inglês.
Elko Perissinotti, ex-vice-diretor do Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria da USP, lembra ainda que atividades complementares ou integrativas, reduzem o uso de opioides no tratamento de dor crônica.
"Na psiquiatria essas atividades fazem toda a diferença, como no tratamento de depressão, ansiedade e esquizofrenia, mas há benefícios também na clínica médica."
Nenhum dos estudos, porém, desvendou por quais mecanismos esses benefícios surgem. Alguns pesquisadores especulam que as atividades manuais promovem o desenvolvimento de vias neurais do cérebro que ajudam a manter a saúde cognitiva.
Perissinotti vai na mesma linha. Para ele, essas práticas provocam uma espécie de reorganização no cérebro e na bioquímica cerebral.
"Ainda há uma pequena resistência à alta eficácia dessas atividades como aliadas, mas novos estudos vão mudar isso em um futuro breve."
Elisa H. Kozasa, pesquisadora do Instituto do Cérebro do hospital Albert Einstein, afirma que o mecanismo é o do desenvolvimento de uma atenção calma, relaxada, à medida que se pratica a atividade. "Seja lá qual for o hobby, o ideal é ter afinidade com a prática, para que não haja frustração."
Com o "New York Times"