Folha de S. Paulo


Análise

Com prevenção, maioria sobrevive a câncer de próstata

Há no Brasil 12 milhões de homens com mais de 50 anos; 2 milhões deles sofrerão de câncer da próstata.

Essa estatística contrapõe-se a outra, mais alentadora: de cada cem pacientes acometidos pelo mal, somente cerca de 8% morrerão por causa da doença.

Conclusão: a maioria dos pacientes sobrevive. Alguns resistem por portarem tumores indolentes, que não progridem. Muitos outros, graças a ações médicas reparadoras, como cirurgias.

Recentemente, o United States Preventive Services Task Force (um grupo de especialistas que analisa evidências médicas) se posicionou contra a realização de exames preventivos da próstata em homens maduros.

O argumento era que esses programas identificam muitos casos de câncer indolente, que seriam tratados de forma desnecessária.

Confesso que eu, assim como a maioria da comunidade urológica, não compreendi bem a recomendação.

Frequentemente nos deparamos com homens de menos de 60 anos que já apresentam um câncer avançado, muitas vezes incurável.

Isso não teria ocorrido se o mal fosse identificado mais cedo. Uma pesquisa americana concluiu que, entre os casos de câncer da próstata descobertos em exames preventivos, 15% são tumores do tipo indolente, verdadeiros traques (estalos) de São João; 60% são doenças agressivas, mas curáveis se diagnosticadas a tempo; 25% já são avançados, mísseis nucleares desgovernados.

Por esses números, fica claro que, sob o argumento de evitar intervenções desnecessárias em 15% dos pacientes (que, aliás, podem atualmente ser identificados e poupados de qualquer tratamento), serão prejudicados 60% dos portadores de tumores potencialmente curáveis e que deixarão de ser identificados no momento propício.

Corroborando esse conceito, estudo europeu mostrou que, para cada cem pacientes destinados a morrer pelo câncer da próstata, 27 terão a vida preservada se fizerem exames preventivos.

Infográfico: Câncer de próstata

RISCOS

Para explorar a presença de câncer da próstata, os especialistas recorrem ao exame de toque e às dosagens de PSA (antígeno prostático específico) no sangue.

Injustamente, o toque da próstata gera sentimentos tenebrosos na mente masculina. A verdade é que ele costuma ser realizado em menos de cinco segundos, de forma indolor. Para os mais recalcitrantes, gostaria de dizer que muito pior do que o desconforto psicológico de alguns segundos é o flagelo que perdura por anos quando um câncer é descoberto tardiamente.

No que se refere ao tratamento, quatro estudos recentes mostraram que as chances de cura com a cirurgia radical são de 20% a 40% maiores do que as obtidas com a radioterapia, principalmente se a doença for agressiva. Além do mais, se o tumor reincide após a cirurgia, pode-se recorrer à radioterapia.

A cirurgia é acompanhada de impotência sexual em 70% dos homens com 70 anos, entre 30% a 50% dos indivíduos com 65 anos e entre 10% a 20% dos pacientes com menos de 55 anos. Produz ainda incontinência urinária em 3% a 35%.

A radioterapia, ao contrario do que se afirmava, associa-se a iguais riscos de disfunção sexual e pode causar complicações intestinais e de bexiga em 15% a 35% dos casos, às vezes mais devastadoras que o próprio câncer.

ROBÔS

Conscientes das sequelas, alguns cirurgiões anunciaram o advento da cirurgia auxiliada por robô. Mas a técnica tem suscitado várias questões.

O aprendizado é demorado e beira os limites da ética: a proficiência do médico só é alcançada após mais de 250 intervenções.

Até que se atinja esse patamar, as cirurgias podem demorar até onze horas e têm complicações frequentes, às vezes fatais.

A ideia de melhor preservação das funções sexual e urinária com a intervenção robótica também parece ser falaciosa. Os cinco estudos mais qualificados comparando as técnicas robótica e aberta demonstraram igual frequência de complicações.

No câncer de próstata, os tratamentos que curam também podem comprometer a qualidade de vida. Por isso, um médico só exercerá com grandeza o seu papel de guardião do corpo e da alma se, na saída e na chegada, levar em conta não apenas a doença, mas também os sentimentos dos pacientes.

Isso significa optar pela terapêutica mais eficiente quando preservar a vida for a questão mais relevante -ou escolher o tratamento menos agressivo se as complicações possíveis forem intoleráveis.

MIGUEL SROUGI, 68, é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard (EUA) e presidente do Conselho do Instituto Criança é Vida


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