Folha de S. Paulo


Novo algoritmo ajuda cientistas a prever casos de psicose

Um time internacional de cientistas, com participação brasileira, criou um algoritmo que consegue analisar a fala de pacientes psiquiátricos e prever aqueles que irão desenvolver uma psicose.

A identificação de características que permitam a antecipação do surto é considerada bastante complicada pelos profissionais da área.

"O pródromo [nome técnico para identificação de sinais de uma doença antes que os sintomas mais específicos apareçam] é ainda muito complicado na psicose", avalia Helio Elkis, coordenador do Programa de Esquizofrenia do Instituto de Psiquiatria da USP, que não participou do trabalho.

O experimento teve um número reduzido de participantes, mas funcionou como uma prova de que o método é funcional.

O EXPERIMENTO

Cientistas entrevistaram, uma vez a cada três meses por um período de dois anos e meio, 34 jovens em situação de risco –algum sintoma mais leve de problema psiquiátrico– e que buscaram ajuda especializada.

Os cientistas transcreveram as entrevistas e analisaram o discurso dos pacientes levando em consideração critérios sintáticos, como a estrutura e o tamanho das frases, bem como questões semânticas.

Após dois anos e meio de acompanhamento, cinco desses 34 jovens desenvolveram uma psicose, termo amplo que engloba doenças como a esquizofrenia e o transtorno bipolar. O algoritmo conseguiu prever 100% dos casos.

Para o neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e um dos autores do trabalho, a técnica poderia fornecer as bases para criar um método com critérios claros para "prever" os pacientes em risco.

O time de cientistas responsáveis pelo experimento não descarta que o algoritmo possa ser usado, no futuro, para criar um exame ou um aplicativo que identifique rapidamente os pacientes com alto risco.

"Ainda é cedo para falar nisso. Mas a ideia é criar parâmetros de referência, como os que existem em outras áreas. Esse método poderia ser o que o raio-X é para a ortopedia, ou o que o hemograma é para a clínica médica", avalia Ribeiro.

ÁREA PROMISSORA

Métodos de análise do discurso têm sido uma área promissora no diagnóstico de transtornos psiquiátricos.

Pacientes com esquizofrenia, uma das psicoses mais conhecidas, têm vários sintomas perceptíveis na fala, inclusive um certo grau de confusão e repetição. O que os algoritmos dos cientistas fazem é automatizar o processo de identificação, que hoje é feito pelos ouvidos atentos dos psiquiatras nos consultórios.

Segundo Sidarta Ribeiro, que participou também de estudos anteriores, um diferencial deste trabalho é que o sistema desenvolvido considera não apenas a forma como os pacientes se expressam, mas também o significado do que eles dizem.

A pesquisa foi feita, em inglês, com pacientes no exterior, mas os cientistas envolvidos dizem que o método funciona em seis línguas ocidentais, incluindo o português e o espanhol.
Cientistas ainda divergem quanto à melhor abordagem para os pacientes identificados com alto risco.

Segundo Helio Balkis, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, pesquisadores tanto Brasil quanto no exterior ainda estão tentando encontrar o melhor método terapêutico para esses casos.

Já Sidarta Ribeiro afirma que há benefícios claros na prevenção com um diagnóstico precoce. "A identificação precoce dos pacientes pode ajudar a criar estratégias melhores de tratamento", afirma.

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UMA HISTÓRIA DA ESQUIZOFRENIA
Psicose mais famosa, doença só foi descrita há 200 anos

1550 a.C. - Loucura no Egito Antigo
Livro de medicina do Egito Antigo aponta venenos, demônios e problemas no sangue como raízes da loucura

1400 a.C - Forças sobrenaturais no hinduísmo
Os livros sagrados hindus descrevem doenças caracterizadas por comportamentos bizarros, falta de autocontrole, sujeira e nudez. Elas seriam causadas por demônios; abaixo, um búfalo-demônio do hinduísmo

400 a.C. - Possessão demoníaca na China
Texto chinês descreve como a insanidade, a demência e convulsões surgem de possessões demoníacas e outras forças sobrenaturais

1783 - Morte do escultor Messerschmidt
Registros do comportamento excêntrico do escultor Franz Xaver Messerschmidt, autor da obra abaixo e que se dizia inspirado por "visitas do demônio", levam historiadores a questionar se ele sofria de alguma psicose

1809 - Mais antiga descrição de esquizofrenia
De forma independente, os psiquiatras Philippe Pinel (francês) e John Haslam (inglês), descreveram jovens pacientes que apresentavam sinais de "demência precoce". Esses casos são comumente tratados como os primeiros retratos completos de esquizofrenia

1908 - Fixação do termo
O psiquiatra suíço Eugene Bleuler, que não acreditava que a demência precoce só atacasse adolescentes, firma o termo esquizofrenia

1954 - Primeiro antipsicótico
Os EUA aprovam a clorpromazina, a primeira droga desenvolvida especificamente como antipsicótica. Nos EUA, recebeu o nome de Thorazine; no Brasil, de Amplictil

1976 - Diferenças no cérebro
Tomografias sugerem diferenças no tamanho dos ventrículos cerebrais de pacientes com esquizofrenia. Esse é o primeiro de muitos estudos que identificam anomalias cerebrais associadas com esquizofrenia

1994 - Esquizofrenia Nobel
O matemático John Nash, diagnosticado com esquizofrenia, recebe o Prêmio Nobel da Economia

2013 - Publicação do DSM - 5
A quinta edição do DSM, Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, da Associação Americana da Psiquiatria, atualiza a definição de esquizofrenia. Para receber o diagnóstico, o paciente precisa apresentar delírios, alucinações ou discurso desorganizado


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