Folha de S. Paulo


Cientistas explicam por que mulheres sentem tanto frio com ar-condicionado

Chris Machian/The New York Times
Molly Mahannah wearing a sweatshirt and a blanket at her desk at B2 Interactive, a web design and digital marketing agency, in Omaha, Neb., July 31, 2015. Most office buildings set temperature based on a formula from the ’60s based on the metabolic rates of men. This formula is now being challenged to reduce energy consumption and combat global warming. (Chris Machian/The New York Times) - XNYT36
Molly Mahannah usa moletom e se cobre em uma agência de web design em Omaha, Nebraska (EUA)

Os verões são quentes em Omaha (Estado de Nebraska, nos EUA), onde a temperatura pode atingir os 38ºC. Mas Molly Mahannah está preparada.

No escritório, ela se cobre com casacos de lã e moletons largos que ficam guardados em seu gaveteiro. Depois, ela diz "eu tenho um cobertor enorme na minha mesa e eu me embrulho como se fosse um burrito. Recentemente eu estava com tanto frio que eu queria sentar em meu carro no calor de 38ºC e assar."

Mahannah, 24 escreveu no Twitter que ela se sentia como um white walker, espécie de zumbi de gelo de "Game of Thrones". Segundo ela, outra colega de trabalho também costuma se cobrir. Mas e os homens? "Eles usam bermudas."

Tweet de Molly Mahannah

Acontece todo verão: escritórios ligam seu ar-condicionado e congelam as mulheres.

Finalmente, cientistas (dois homens, para registro) estão buscando um fim para a "Grande Conspiração do Escritório Ártico". O estudo deles, publicado nesta segunda (3) na revista científica "Nature Climate Change", diz que a maior parte dos edifícios de escritórios ajustam a temperatura baseados em uma fórmula de décadas atrás e que usa taxas metabólicas de homens.

O estudo conclui que edifícios que ajustarem a temperatura para níveis um pouco mais quentes poderia ajudar a combater o aquecimento global.

"Em vários prédios, você vê que a energia consumida é muito alta porque o padrão é calibrado para a produção de calor do corpo masculino", diz Boris Kingma, co-autor do estudo e biofísico no Centro Médico da Universidade de Maastricht, na Holanda.

O estudo diz que os termostatos dos edifícios seguem um "modelo de controle térmico que foi desenvolvido nos anos 1960", que considera valores como temperatura do ar, velocidade do ar, pressão de vapor e isolamento por tecidos. Tal equação é convertida para uma escala de sete pontos, e comparada com a "porcentagem prevista dos não satisfeitos", uma medida de quantas pessoas provavelmente se sentirão desconfortáveis com frio ou calor. Parece simples o suficiente.

Mas Kingma e seu colega Wouter van Marken Lichtenbelt escrevem que uma variável na fórmula, a taxa metabólica em repouso (quão rápido geramos calor), é baseado em um homem de quarenta anos que pesa 70 kg.

PASSADO

Talvez esse homem tenha representado, no passado, a maioria das pessoas presentes nos escritórios. Agora, no entanto, as mulheres constituem metade da força de trabalho e geralmente tem taxas metabólicas menores que os homens –porque elas são menores e tem mais gordura, que gera menos calor para o ambiente do que músculos.

De fato, os estudos dizem que o modelo corrente "pode superestimar a produção de calor em repouso de mulheres em 35%".

"Se as mulheres têm uma necessidade menor por resfriamento, isso significa que energia pode ser economizada, porque justamente agora nós estamos resfriando apenas os homens", diz Joost van Hoof, um físico da Universidade Fontys de Ciências Aplicadas na Holanda e que não participou do estudo.

"Muitos homens pensam que mulheres estão com frescura", diz, "mas é a fisiologia delas".

Drew Angerer/The New York Times
Phoebe McPherson veste um snuggie (cobertor de se vestir) enquanto conversa com um colega no escritório
Phoebe McPherson usa um cobertor de se vestir enquanto conversa com um colega no escritório

Os autores também notam que o modelo nem sempre é calibrado adequadamente para considerar mulheres vestindo saias ou sandálias.

"Muitos homens vestem ternos e gravatas, e mulheres tendem a usar decotes", diz van Hoof, que escreveu um comentário sobre o estudo. Ou seja, o calor dos homens e o frio das mulheres é reforçado pelo vestuário.

Os pesquisadores testaram dezesseis mulheres, estudantes na terceira década de vida, trabalhando sentadas e usando roupas leves em câmaras respiratórias, que rastreiam o oxigênio inalado e o dióxido de carbono exalado. A temperatura da pele foi medida em vários pontos, como mãos e abdome. Um termômetro em fórmula de pílula foi engolido pelas voluntárias para medir a temperatura interna do corpo.

Os pesquisadores viram que a taxa metabólica média das mulheres ficava entre 20% e 32% abaixo daquela usada nas tabelas usadas para calibrar as temperaturas. Então eles propuseram ajustar o modelo para incluir a taxa real das mulheres e dos homens, além de fatores como isolamento por tecido corpora, não somente por roupas. Por exemplo, pessoas que pesam mais se aquecem mais rápido e pessoas mais velhas tem taxas metabólicas mais lentas, diz o estudo.

Quão quente um escritório ficaria iria variar, claro, mas o estudo cita pesquisas achando até 3ºC de diferença entre a preferência de homens e mulheres. Homens prefeririam uma sala a 21ºC –temperatura-padrão– e mulheres a 24ºC, diz Kingma

MUDANÇA DIFÍCIL

Alguns experts duvidam que a nova fórmula seja facilmente adotada.

Khee Poh Lam, professor de arquitetura na Carnegie Mellon (universidade da cidade de Pittsburgh) diz que mesmo se a indústria aceitasse a mudança do modelo vigente, os prédios geralmente abrigam diferentes tipos de pessoas e elas vivem amontoadas lá dentro. Muitas vezes as salas dos ventiladores ficam distantes daquelas do termostato, o que dificulta qualquer tipo de ajuste, conta.

Ele diz que tem de haver pressão para melhoras porque "o fenômeno de mulheres ficando com frio é muito óbvio" –e empregados com frio ou com calor são mais improdutivos.

Controle individual de temperatura seria uma resposta eventual, diz Lam, que ajudou a projetar um "módulo de ambiente pessoal" na década de 1990 que era muito cara para ser comercializada. Agora, outros estão em desenvolvimento para que os funcionários possam deixar seus cubículos mais quentes ou frios, conforme seu gosto.


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