Folha de S. Paulo


Vacina da meningite deixa pais confusos e R$ 1.200 mais pobres

Uma vacina nova –e bastante cara– está deixando os pais brasileiros que levam os filhos a clínicas particulares confusos.

Ela protege contra a meningite B, está disponível desde abril e cada uma das suas duas doses custam até R$ 600.

Os pediatras dizem que a vacina não é absolutamente necessária, até porque não há nenhum surto da doença no país. Mas e a culpa dos pais se alguma coisa vier a ocorrer?

Até porque, de fato, trata-se de uma doença séria. De acordo com a pediatra Natasha Slhessarenko, entre 20% e 30% dos pacientes que têm infecção bacteriana morrem, e é elevado o número de sobreviventes com sequelas como surdez ou dificuldades motoras.

Por outro lado, além da situação controlada da doença no Brasil, o sorogrupo B não é o mais importante. Cerca de 70% dos casos de meningite se devem ao sorogrupo C, que tem vacina disponível no SUS.

Segundo dados do Ministério da Saúde, das 2.740 pessoas tiveram meningite bacteriana no Brasil no ano passado, 146 (5,3%) foram vítimas da meningite B –ao fim, foram 23 mortes no ano. Existe ainda uma forma viral da doença, mas ela é mais branda.

Como desde 2010 a rede pública vacina as crianças de menos de dois anos contra a meningite C, porém, a incidência do sorogrupo B passou a ser o principal vilão no caso específico dessa faixa etária.

"A vacina é boa e recomendada. Mas não existe um cenário que justifique correria para as clínicas", diz José Paulo Ferreira, médico da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Clique na infografia: Meningite

A demanda dos pais, porém, tem causado falta do produto em algumas clínicas –a farmacêutica GSK informa que está trabalhando para regularizar os estoques.

Não há previsão da entrada da nova vacina no Calendário Nacional de Vacinação.

"Quando as sociedades médicas recomendam dar a vacina, eles pensam na saúde individual, em tudo que possa ser feito para evitar a doença. O SUS tem que pensar na saúde pública, medir impacto, por exemplo", diz a pediatra Flávia Bravo, da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Não foram identificadas reações à vacina. Segundo a GSK, ela funciona contra 80% das bactérias vinculadas à meningite B que ocorrem no Brasil.

Esses números ficarão mais claros conforme surgirem resultados dos testes clínicos –é possível testar uma vacina de duas formas: pela eficácia imunogênica, que testa o nível de produção de anticorpo, e com testes clínicos, que verificam a queda da incidência da doença na população.

"São testes que levam tempo, porque a população tem que ser vacinada", diz o infectologista Artur Timerman.

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Depoimento: eu não vacinei

"As pessoas estão com medo de uma epidemia que não existe"

A tradutora Cássia Zanon, 41, decidiu não vacinar a filha de três anos.

Edu Andrade/Folhapress
A tradutora Cássia Zanon, com a filha de três anos

"Quando o pessoal começou a alertar sobre a vacina da meningite B, foi como um déjà vu: lembrei do final do ano passado, quando começaram a falar aqui em Porto Alegre de vários casos de meningite que estava matando muitas crianças nos hospitais.

A história vinha sempre de uma prima de uma amiga que era pediatra e trabalhava em algum hospital e dizia a mídia vinha escondendo os casos. Liguei para o pediatra e ele me disse que naquele momento não havia um risco maior da minha filha adquirir a doença do que antes. A única novidade era um novo lote da vacina contra as meningites A, C, W e Y nas clínicas.

Não é por ser contra as vacinas. Sempre demos todas as do calendário básico. Não é também pelo dinheiro.

O que lamento é ver gente entrando em filas, mexendo nos sistemas imunológicos das crianças, gastando dinheiro que poderiam aplicar em alimentos mais saudáveis, por exemplo, sem saber exatamente por quê, por medo de uma epidemia que não existe.

Mas, claro, não podemos ser radicais. Conheço uma pessoa que assim que soube foi vacinar o filho. Eu não pensei 'nossa, que exagerada', eu entendi: o primo dessa pessoa tinha morrido de meningite."

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Depoimento: eu vacinei

"O sobrinho da empregada morreu após ter meningite"

A administradora Karla Lepetitgaland, 38, vacinou o filho de três anos e agora pretende vacinar o mais novo, de um ano.

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"Quando ouvi falar da vacina, fui correndo perguntar para a pediatra. Meu filho mais novo, de um ano, tem doença crônica de pulmão, já foi internado. Como ele vai muito ao hospital, eu fico com muito medo de que ele saia de lá infectado com outras doenças.

A pediatra me disse para esperar, pois se tratava de uma vacina nova. Busquei outras fontes de informação, com pediatras amigas minhas, que conhecem infectologistas, e elas me disseram que a meningite é uma doença muito séria, que pode ser transmitida até por pessoas que não estejam doentes [portadores em quem a doença não evolui].

Não vacinei o mais novo ainda, mas como o mais velho já tinha tomado a vacina conjugada para as meningites A, C, W e Y, resolvi dar a vacina para a B também. Paguei R$ 560 na primeira dose e agora em agosto ele vai tomar a outra.

Fico meio desesperada porque o sobrinho da minha empregada morreu de meningite. A doença mata muito rápido, e eu tenho medo.

Mas as clínicas também se aproveitam disso. O preço é um absurdo."


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