Folha de S. Paulo


"Os intestinos são um charme", diz cientista que desmistificou o órgão

Se Giulia Enders não tivesse contraído uma doença misteriosa que a deixou coberta de feridas, talvez nunca tivesse parado para refletir sobre seu trato intestinal. É possível que ela nunca tivesse se matriculado numa escola de medicina. E é quase certo que não teria escrito um livro sobre a digestão que virou best-seller.

Em 2007, depois de uma série de tratamentos ineficazes receitados por médicos, Enders, então com 17 anos, decidiu tomar as rédeas. Convencida de que a doença era ligada ao seu intestino, ela estudou gastroenterologia, tomou probióticos e experimentou suplementos minerais.

Gordon Welters/The New York Times
Giulia Enders, em sua casa em Frankfurt, na Alemanha
Giulia Enders, em sua casa em Frankfurt, na Alemanha

Funcionou.

"Pude sentir em meu próprio corpo que conhecimento é poder", relatou no livro "O Discreto Charme do Intestino", que já vendeu quase 1,5 milhão de exemplares na Alemanha.

Enders, 25, descreveu com entusiasmo a primeira cirurgia de estômago à qual assistiu pessoalmente. "O corpo inteiro se move desse jeito ou daquele, mas os intestinos se movem de maneira totalmente diferente", comentou. "É incrivelmente harmonioso."

O assombro que o funcionamento do intestino suscita nela só é comparável à sua incredulidade diante do limitado conhecimento público sobre o assunto.

Em seus primeiros anos na escola de medicina, Enders aprendeu, por exemplo, que é mais fácil arrotar quando a pessoa está deitada do lado esquerdo, devido à posição da conexão entre o esôfago e o estômago. "Por que ninguém sabe isso?"

Em 2012, ela ouviu falar de um evento científico aberto em que jovens cientistas fariam apresentações. Ela decidiu preparar uma palestra sobre a digestão.

No palco, Enders estava alegre e animada. Ela falava rapidamente, descrevendo os componentes do sistema digestivo e lamentando sua má reputação. "É uma pena, porque os intestinos são um charme", diz.

A plateia ficou cativada. Enders ganhou o concurso e acabou participando de outros dois eventos semelhantes. Os vídeos de suas palestras atraíram atenção on-line, e um agente literário a procurou para propor que ela escrevesse um livro.

Fãs da jovem autora a elogiam por ter traduzido pesquisas complexas sobre gastroenterologia em prosa divertida e leve. Em seu livro, ela traça uma lista das múltiplas operações realizadas diariamente por nosso intestino, como o mecanismo de limpeza que entra em ação algumas horas depois que comemos e que mantém o intestino delgado surpreendentemente arrumado.

Esse "pequeno faxineiro", como ela o chama, revela ser a verdadeira fonte dos resmungos que a maioria das pessoas atribui ao estômago e interpreta equivocadamente como sendo sinal de fome.

Crescem as pesquisas que indicam que nosso intestino pode ter uma influência muito maior do que se sabia sobre nossos sentimentos, decisões e comportamentos. Ainda sabemos muito pouco sobre esse "cérebro intestinal", como Enders o descreve.

Essas características essenciais, porém pouco conhecidas, do nosso intestino deixaram o público alemão fascinado. Alguns comentaristas evocaram Freud para explicar o fascínio dos alemães com seus intestinos.
Enders faz pouco caso dos comentários, observando que seu livro também liderou as listas de mais vendidos na Finlândia, na Holanda e em outros países.

Ela sugere que a atração da obra deva-se ao tratamento franco de temas que geralmente são passados por cima. "A vergonha desaparece quando você entende bem alguma coisa", disse.


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