Folha de S. Paulo


Não precisamos que nenhuma outra droga seja legalizada

Quando falamos de drogas de abuso, como o THC, o etanol ou outra droga psicotrópica, não estamos falando de um produto qualquer, e muito menos de um comportamento que se restrinja aos usuários.

Quer seja o uso agudo, quer seja o uso crônico, e até dependente, tais drogas produzem consequências sociais, psicossociais e econômicas, que vão muito além do indivíduo.

O consumo de drogas no país vem crescendo e vive-se a onda das drogas sintéticas.

Estamos falando de substâncias que são mais potentes, modificadas para um mercado diversificado. Todas são substâncias que alteram o cérebro em áreas essenciais à vida, como aquela que define a capacidade de obter alimento para sobreviver, reproduzir a espécie, emocionar-se, filtrar decisões, modelar nossa capacidade de adaptação e proteção.

É por isso que discordo do artigo do colunista J.P. Cuenca, publicado nesta Folha na segunda (18), e acredito que não precisamos de nenhuma outra droga legalizada.

Aliás, deveríamos aprender com aquelas que o são e perceber que a política sobre o tema está engatinhando. A principal vítima deste cenário é o adolescente, cujo cérebro, imaturo biológica e psicossocialmente, está exposto a todas as consequências deste comportamento.

O que precisa "sair do armário" é a parte mais séria de toda esta polêmica: é preciso registrar que existem muitos grupos econômicos na expectativa de mais uma droga legal, um negócio sem precedentes que só pode ser comparado ao comércio de armas e petróleo, e mais, que abrirá espaço para a legalização de todas as drogas no país.

A banalização do consumo de substâncias só serve ao interesse desses grupos.

Enquanto isso, porém, o que enxergamos é um debate cego, reduzido àqueles que são contra ou a favor.

Por que será que não é possível ter garantidos nossos direitos de não usar drogas? E viver em um país onde os princípios humanos de proteção das crianças, adolescentes e famílias sejam prioridades de todos os governos?

Não aceitamos usuários de drogas na prisão, e esperamos que a política preventiva os ajude a desistir do consumo ou evitá-lo. Somos contra uma assistência que só intervenha quando a dependência é tão grave que necessita internação. Não podemos admitir que traficantes fiquem livres para ir e vir em nossas praças sem controle.

A história do mundo, nos últimos 200 anos, mostra que muitos países que liberaram drogas sofreram verdadeiras tragédias sociais. Sem exceção, todos tiveram que endurecer as políticas para controlar a violência, a mortalidade e o aumento do número de dependentes.

O Brasil vive um dos seus maiores problemas de saúde e segurança públicas: o abuso de drogas. É tarefa de todos os brasileiros colaborar para que este fenômeno seja controlado por meio de uma política humana, justa e baseada em evidências, com direito à vida.

ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES é psiquiatra, professora afiliada da Unifesp e presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)


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