Folha de S. Paulo


Com esclerose, economista vira palhaço, lança livro e faz espetáculo

Ernesto Rodrigues/Folhapress
O ator Nando Bolognesi, durante apresentação de seu espetáculo
O ator Nando Bolognesi, durante apresentação de seu espetáculo "Se Fosse Fácil Não Teria Graça"

Nando Bolognesi foi diagnosticado com esclerose múltipla em 1990, aos 21 anos de idade. O economista, hoje com 46, se tornou ator e palhaço. Depois de passar por um vulcão, diz ter se dado conta da pequenez humana e até mesmo escreveu um livro sobre a experiência.

Ele estrela o espetáculo "Se Fosse Fácil Não Teria Graça", em cartaz no Teatro Eva Herz (terças, às 21h, até o final do mês) e conta à Folha como lida com as situações pelas quais a doença já o fez passar.

Leia abaixo trechos de seu depoimento:

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"Pode parecer que foi uma fuga, uma forma de lidar com a doença, mas, analisando minha vida, acho que sempre quis ser ator, nunca quis seguir carreira de economista.

Eu tinha 21 e anos e estava passando um ano sabático na Europa, longe de casa, e falando outro idioma.

Olhava aquelas pessoas no metrô e sentia que elas se escondiam atrás dos jornais, que não conversavam. Achava que a humanidade tinha perdido o pé. Acreditava que os artistas conseguiam viver à margem desse sistema. Queria ser um deles. Voltei para o Brasil e me tornei ator.

Foi também nesse ano na Europa que fui diagnosticado com esclerose múltipla.

Percebi os sintomas enquanto jogava futebol e quando quase caí na escada rolante no metrô de Londres, nos tropeções que aconteciam o tempo todo. Mas a vida estava boa demais para me preocupar com isso.

A gota d'água para ir ao médico foi não consegui assinar meu nome ao fazer check in em um hostel, na Itália: minha mão estava enrijecida. Ainda não entendo, mas na época entendia menos ainda o que era a esclerose.

Achava que era doença de velho, fazia graça. Ligava para um amigo e dizia: "sabe a última? Estou esclerosado."

O médico disse que minha forma de esclerose se manifestava em pequenos surtos, que deixavam sequelas.

Voltei para a Europa. Mas as fichas foram caindo. Na Itália, subi até bem perto da cratera do vulcão Stromboli e presenciei uma micro- erupção. Me senti muito pequeno diante daquilo tudo. Tempos depois, quando não consegui mexer o pé esquerdo por causa da esclerose, lembrei daquela sensação.

A relação com a doença mudou muito, mas a tônica nunca foi a de dramatizar.

Tive momentos ruins. Quando descobri que era uma doença autoimune achei que era um ser em desarmonia. Mas posso dizer que a esclerose me ajudou a me conhecer, me descobrir como um cara que não dramatiza a vida. E ser palhaço tem a ver com isso: traz um olhar diferente para as situações.

Ser palhaço se tornou um caminho viável para continuar sendo ator. A doença já atrapalhava um pouco e, quando em cena, me preocupava mais com minha condição do que com o personagem.

Elogiavam meu trabalho de corpo como palhaço, mas aquele era meu jeito.

Ernesto Rodrigues/Folhapress
Com esclerose, economista vira palhaço e tenta provocar 'olhar de estranhamento' quando sobe no palco
Com esclerose, economista vira palhaço e tenta provocar 'olhar de estranhamento' quando sobe no palco

Em 2009, descobri que a esclerose passaria a ter alguma progressão. Eu já usava bengala. Pensei: logo são duas, cadeira de rodas, cama e isso eu não quero. Mas o neurologista disse que não havia nada que pudesse ser feito.

Fiz um tratamento experimental de transplante de medula. Foi difícil, a quimioterapia é muito intensa. Ficava cansado só de abrir os olhos.

Mas também foi uma experiência de recuperação de fé na humanidade.

Quando pensamos em amor ao próximo, sempre somos o protagonista, aquele que dá amor. Durante o tratamento fui aquele que recebeu.

Um Palhaço na Boca do Vulcão
Nando Bolognesi
livro
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O tratamento deu certo. Os exames não acharam nenhum novo processo inflamatório, a doença está estagnada. Mas os sintomas pioraram. Meu cérebro se adaptou de uma maneira ruim e acabei perdendo mobilidade nas pernas.

Quando não conseguia mais trabalhar como palhaço, prestei concurso público. Passei, mas fui reprovado na perícia média.

Nessa época meus amigos sugeriram que eu escrevesse minha história. Nasceu o livro "Um Palhaço na Boca do Vulcão" (editora Grua, 224 págs., R$ 34,90) e o espetáculo "Se Fosse Fácil Não Teria Graça". Se tivesse que defini-lo, diria que é uma tragicomédia.

Meu objetivo como palhação não é o de fazer rir, e sim propor um olhar de estranhamento. Pensar em como se colocar no lugar do outro."


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