Folha de S. Paulo


Anvisa deve olhar menos o registro e mais o produto, diz ex-presidente

Após anunciar sua saída da presidência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o diretor Jaime Oliveira afirma que a agência deve diminuir o tempo de análise para registro dos produtos e olhar mais o que está na prateleira.

Nesta terça-feira (24), Oliveira comunicou aos funcionários da Anvisa que deve deixar o cargo até o fim de abril. Com a saída, a agência fica com dois cargos vagos na diretoria colegiada –um deles estava desocupado desde a saída do diretor-presidente anterior, Dirceu Barbano, em outubro de 2014.

À Folha, Oliveira disse que a decisão ocorreu por motivos pessoais e negou que tenha havido interferência política. Nos bastidores, a informação era de que a decisão ocorreu após uma negociação de integrantes do governo.

O ministro da Saúde, Arthur Chioro, disse nesta quarta (25) que lamenta a saída de Oliveira e que já tem dois nomes que pretende indicar à presidente Dilma Rousseff para ocuparem a vaga. A expectativa é que seja indicado um profissional com formação específica na área de saúde -os atuais diretores são advogados e economistas, mas com experiência no setor.

Confira trechos de entrevista à Folha:

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Folha - Quando decidiu deixar a agência? A informação é de que houve interferência política para sua saída.

Jaime Oliveira - De forma alguma. Não teve discussão, foi uma decisão comunicada.

Eu e minha família temos planos pessoais de mudar de Brasília. Viemos tentando construir essa saída, e o momento mais adequado é difícil de encontrar. Já vinha conversando com o ministro. O que foi feito ontem foi a divulgação para profissionais na Anvisa.

No que a Anvisa avançou no período em que esteve à frente da diretoria?

A Anvisa se consolidou como uma agência sanitária de referência.

Fomos elogiados durante a Copa do Mundo.

Foi um momento em que a Anvisa teve cuidar da entrada de torcedores e assegurar que passageiros de fora não entraram com produtos proibidos no país.

Também houve o início de reestruturação das áreas de portos e aeroportos de fronteiras e as alterações na legislação sanitária.

E o que permanece como entrave?

A Anvisa tem que deixar de dedicar o maior peso da atuação ao pré-mercado, que são atividades como o registro de um produto.

Ela tem que dedicar menos energia a essa área e aumentar isso no pós-mercado, com monitoramento da qualidade. É ir na prateleira da farmácia e supermercado, pegar o produto e ver se está de acordo com as normas.

Fizemos isso com cosméticos e está sendo discutido agora com alguns medicamentos.

Mas o que garante que essa fiscalização vai acontecer? Não seria melhor manter as duas fases para manter a segurança?

Não é que a fase de pré-mercado deixe de existir.

Você começa a compartilhar responsabilidades com o setor regulado, que conhece as normas para colocar o produto no mercado.

Deixamos que entrem com o produto no mercado e fazemos a fiscalização depois. Se identificar irregularidade, há penalidades.

A Anvisa lidou com temas polêmicos, como o canabidiol. Isso deve crescer daqui para frente?

Isso ela sempre vai ter que lidar. Vale para o canabidiol, tabaco, inibidores de apetite. As decisões que são tomadas são baseadas em ciência e em aspectos técnicos. Quanto mais a Anvisa investir nessa base, mais vai se fortalecer.

Várias dessas decisões têm sido questionadas na Justiça. Isso não prejudica a agência?

Encaro com naturalidade. Faz parte do processo democrático e do amadurecimento da sociedade. Não acho que isso enfraquece a agência, acho que fortalece o país.


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