Folha de S. Paulo


Bebê com doença genética misteriosa corre risco de ficar sem convênio

Aos três meses de gestação, Jaqueline descobriu no exame morfológico que seu bebê tinha malformações congênitas graves, com poucas as chances de sobrevida.

Ainda na barriga, na 32ª semana, precisou passar por uma punção de líquido no pulmão e, em seguida, colocar dreno no órgão.

Ao nascer, Davi foi direto para a UTI neonatal. Hoje, com um ano e quatro meses, está em casa, mas depende de cuidados de homecare, com presença de enfermeira 12 horas por dia. Alimenta-se por meio de sonda (gastrostomia) e é monitorado durante o sono com um aparelho que mede a oxigenação sanguínea.

Por conta da malformação no maxilar e da fenda palatina (abertura no céu da boca), tem dificuldades para respirar quando está dormindo.

A família tem dois problemas: não sabe qual a doença genética que o filho tem e também corre o risco de ficar sem plano de saúde.

Lalo de Almeida/Folhapress
Jaqueline Brandao do Valle e seu filho Davi, 1, que nasceu com uma síndrome genetica grave
Jaqueline Brandao do Valle e seu filho Davi, 1, que nasceu com uma síndrome genetica grave

Davi é dependente no plano empresarial da mãe, que foi demitida após o fim da licença-maternidade. "Precisava cuidar do meu filho", conta Jaqueline do Valle, 30, que trabalhava no RH de uma empresa de engenharia.

Pelas regras da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, que regula os planos), o funcionário tem direito a permanecer no convênio da empresa durante um terço do período de contribuição –no caso de Jaqueline, até o próximo mês de maio.

Ela já procurou a CNU (Central Nacional Unimed), onde é conveniada hoje, para tentar se manter na operadora, pagando o valor integral, mas a resposta foi que isso não será possível e que ela deverá contratar um novo plano de saúde.

Fazer um novo plano em uma outra operadora exigiria o cumprimento de uma carência de dois anos –Jaqueline e o marido, Douglas do Valle, 33, professor de educação física, já consultaram outras cinco empresas.
Segundo a advogada Renata Vilhena Silva, como Jaqueline foi demitida sem justa causa, ela tem direito à portabilidade especial, ou seja, migrar para outro plano sem cumprimento de carência.

O Código de Defesa do Consumidor também garante a continuidade no plano, pagando o valor integral. "Mas muitas pessoas só têm conseguido fazer valer esses direitos recorrendo à Justiça."

SEM DIAGNÓSTICO

Outro dilema que atormenta os pais de Davi é não saber qual a doença o filho tem. "Ele já passou por um geneticista, fez exames, mas não houve diagnóstico. É angustiante. Ele tem febre há uns três meses e ninguém sabe o que é, se faz parte da síndrome ou não", diz a mãe.

O menino apresenta atraso no desenvolvimento cognitivo e motor. Não fala e não anda. Mas sorri para os pais.

A esperança reside em um novo exame genético que rastreia várias síndromes raras, mas que o plano de saúde não cobre. O teste custa R$ 12 mil e a família tem feito bazares para alcançar esse valor.

Segundo o geneticista Salmo Raskin, professor da PUC do Paraná, muitas famílias vivem a mesma situação dos Valle. Às vezes, até pior porque nem acesso a um médico geneticista elas têm.

As doenças raras afetam, em média, 1,3 nascimento a cada grupo de 2.000. Estima-se que existam ao menos 8.000 tipos possíveis de diagnóstico. Mais que 80% têm origem genética e 75% atingem crianças.
Para desvendá-las, os geneticistas são os especialistas mais indicados. Porém, só existem 250 no país, a maioria na rede privada e distribuída nos grandes centros.

Raskin diz que é rotina as operadoras de saúde alegarem que exames genéticos não têm cobertura, o que obriga as famílias a recorrem à Justiça ou a desistirem da busca por falta de recursos.

Depois do diagnóstico de uma doença rara, vem um novo desafio: a falta de tratamento, seja porque não existe mesmo, seja porque o SUS ou os planos não oferecem.

Para Jaqueline, o simples fato de descobrir o nome da doença de Davi já seria um avanço. "Mesmo que não tenha tratamento, a gente acredita que será possível melhorar a qualidade de vida dele."

OUTRO LADO

A CNU (Central Nacional Unimed) informou por meio de uma nota que o plano de saúde de Jaqueline ficará inativo, pois ele decorre de um contrato empresarial desfeito com o seu desligamento da empresa.

Afirma ainda que até 30 dias antes do encerramento do plano, que acontece em 31 de maio, ela poderá fazer outro, individual, na Unimed Paulistana.

Jaqueline alega, no entanto, que a Unimed Paulistana já foi consultada e insiste no cumprimento da carência de dois anos como condição para a adesão.

Segundo a CNU, será avaliado o aproveitamento de suas carências e as de seus dependentes. "Para isso, ela pagará o valor vigente em tabela e terá uma rede credenciada diferente do plano pessoa jurídica anterior."

Em relação ao serviço de homecare, a CNU diz que ele não é contratual, e sim uma concessão da operadora, feita após análise técnica por uma empresa especializada.


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