Folha de S. Paulo


Irremovível, hidrogel facilita a proliferação de bactérias

O hidrogel usado pela modelo Andressa Urach para "turbinar" as coxas aumenta o risco de infecção porque facilita a formação de uma película de bactérias, chamada de biofilme.

Nessa película, formada em torno de qualquer corpo estranho, os microorganismos ficam protegidos da ação tanto do sistema imunológico quanto de antibióticos, explica o cirurgião plástico Carlos Alberto Komatsu, membro da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica).

Quando a inflamação acontece, o único jeito de tratar a infecção é removendo totalmente o invasor. Aí começa o problema: depois de aplicado, o hidrogel se incorpora aos tecidos. Fica impossível removê-lo completamente.

Editoria de arte/Folhapress
ENCHIMENTO PLÁSTICOConheça o hidrogel

Composto por soro fisiológico e poliamida –um tipo de polímero–, o produto chegou no Brasil há cerca de cinco anos com o nome Aqualift e tem sido usado para preenchimentos de todo tipo, de rugas e cicatrizes a glúteos e coxas.

Desde maio, o Aqualift tem o registro vencido na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e não pode ser comercializado. No registro anterior, a recomendação da Anvisa era de que as aplicações fossem de no máximo 50 ml, oito vezes menos que a quantidade usada em Urach.

"Aplicar 400 ml em regiões como coxa ou glúteos é criar uma bomba-relógio", diz João de Moraes Prado Neto, presidente da SBCP. A entidade condena o uso mesmo em pequenas quantidades.

ARREPENDIDA

Andressa não foi a única a ter problemas em decorrência do produto. A modelo Lorena Bueri, 26, teve a primeira infecção um mês depois de aplicar 400 ml de hidrogel nos glúteos, há dois anos.

"Fiz umas cinco cirurgias para tentar tirar o gel e fui internada várias vezes. Uma vez achei que ia morrer, fiquei 15 dias no hospital e não encontravam o tipo da bactéria. Foi horrível, eu me arrependi muito de ter colocado."

Há poucos meses, ela fez uma ressonância e descobriu que ainda tem um pouco de gel nos músculos.

"Não tem como tirar esse restinho. Não fiquei com sequelas, mas ainda não me considero curada, porque até hoje tomo cefalexina (antibiótico) todos os dias para não ter risco de voltar a infecção."

Segundo os médicos, parte do produto pode ficar no organismo por mais de cinco anos. Prado Neto e Denise Steiner, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, citam outras formas de preenchimento mais seguras: ácido hialurônico para pequenas aplicações e prótese de silicone ou enxerto de gordura para volumes maiores.

Um motivo para a utilização do hidrogel é o custo. Cada 100 ml custa em média R$ 2.500 –já 1 ml de ácido hialurônico pode custar até R$ 500 e é reabsorvido pelo organismo em no máximo dois anos.

Como qualquer preenchimento é um procedimento invasivo, a aplicação deve ser feita por um médico.

"O indicado é que seja um cirurgião ou dermatologista O paciente tem sempre que ter uma garantia, ver o produto, perguntar o que acontece se ele tiver uma complicação", afirma o cirurgião Fernando de Almeida Prado.

Há médicos, porém, que defendem o produto. Marco Cesar Valle, médico que atua na área de estética, diz nunca ter tido complicações. A problema, segundo ele, é a utilização por profissionais não treinados e o uso de outros materiais, como silicone industrial em vez do original.

Em nota divulgada nesta quarta (3) pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a entidade afirma que, apesar da liberação do produto por parte da Anvisa, não recomenda o uso de hidrogel em procedimentos estéticos, apenas em procedimentos considerados reparadores.

A SBCP também lembra que a licença de comercialização do hidrogel está vencida desde dezembro de 2013, "o que faz do seu uso um ato de contravenção sujeito a penalidades".

OUTRO LADO

A Rejuvene Medical, responsável pela importação do Aqualift, disse por meio de nota que o produto "não causa alergia e/ou qualquer tipo de complicação pela sua aplicação".

Além disso, a empresa afirma que, até o momento, "não há qualquer prova médica, laudo e ou perícia comprovando que o suposto uso do produto seja o real e único causador" das complicações médicas recentes.

Segundo a empresa, o registro na Anvisa está em processo de renovação e a situação irregular não tem relação com questões de segurança do produto.


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