Folha de S. Paulo


Parteira britânica defende humanização do parto no Brasil

A parteira britânica Lesley Page, 70, acredita que o sistema de saúde privado incentiva a prática de cesarianas em detrimento do parto normal.

Em cada 100 partos nos hospitais privados no Brasil, 88 são realizados por meio de cirurgias cesarianas, segundo estudo coordenado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Em maternidades públicas, são 46.

"Parte disso é incentivo financeiro. Com as cesarianas, o médico pode atender mais pacientes de uma vez só. Mas acho que vem mais de uma visão enganosa: os médicos acham que é um procedimento mais fácil e seguro", diz Page.

Bruno Kelly/Folhapress
Lesley Page, de 70 anos, líder no movimento de humanizacao do parto natural, está no Rio de Janeiro para ministrar uma palestra organizada pela Fiocruz.
Lesley Page, 70, ativista da humanização do parto, está no Rio para palestra na Fiocruz.

Page é diretora do Royal College of Midwives de Londres e uma das principais líderes do movimento pela humanização do parto, que clama pelo mínimo de intervenção possível no parto e pelo que Page chama de "direitos do nascimento": acesso a serviços de saúde e a inclusão da mulher no processo de decisão sobre o parto.

Ela está no Rio participando de um congresso sobre o tema organizado pela Fiocruz.

A média nacional de cesarianas é de 52% do total de partos. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), o índice deveria ser de 15%.

"A cesariana deveria ser apenas para as mulheres que realmente precisam dela. Não é possível que 52% da população feminina do Brasil tenha essa necessidade. Não há vantagem alguma para a mãe, para o bebê e para a população. Ainda por cima é caro! Deveríamos focar a atenção nesses 15% que de fato precisam dela", exclama.

Page observa uma contradição no que ela considera a excessiva "medicalização" do parto no Brasil. "Há provas de que as mulheres brasileiras estão se tornando mais saudáveis. Então, não faz sentido que a cesariana aumente", diz.

Para Page, até mesmo a injeção peridural é dispensável. "Geralmente, a anestesia não é necessária, se você der o apoio físico e psicológico adequado. Por exemplo, eu conversaria com a mãe antes de ela entrar em trabalho de parto, para fazê-la entender o que está acontecendo, dar segurança a ela. Costumo sugerir que ela tome um banho de banheira, ou faço uma massagem nas costas. Essas coisas simples são muito importantes", diz Page.

Ela reconhece que a peridural é necessária para algumas mulheres, por exemplo, se o trabalho de parto for muito longo. "Mas há complicações envolvendo seu uso: há provas de que uma mulher tem mais chance de ter que fazer um parto forçado se ela tomar a injeção, além disso os remédios atingirem o cérebro do bebê. A peridural impede o fluxo da oxitocina, o hormônio do amor, que ajuda a mulher a se adaptar a ser mãe", diz a parteira.

Page se vê como prova viva da eficácia do parto humanizado. Aos 46 anos de idade, teve um filho por parto normal, sem peridural. "Meu parto durou três horas. Foi a experiência mais incrível da minha vida. Eu não queria mais largar o meu bebê!", diz a parteira.


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