Folha de S. Paulo


Em alta, dieta paleolítica virou estilo de vida, xampu e até 'sono'

O que é mais primitivo: cidra ou uma margarita de morango?

Será que um homem das cavernas que se preze checa o seu iPhone depois das 20h, desde que esteja usando óculos de âmbar? E quanto à rotina de beleza matinal? Óleo de coco ou óleo de rícino: qual tem mais chances de restaurar o brilho nas faces de uma mulher neo-Neandertal?

Não iniciados podem achar que a falada dieta do Paleolítico -um regime nutricional centrado em torno da carne de animais criados no pasto, ovos, nozes, frutas e hortaliças frescas, no espírito dos nossos antepassados das cavernas- não passa de um modismo com pouco carboidrato.

Mas ultimamente a dieta paleolítica vem se institucionalizando, não só como uma dieta muito popular, mas como um estilo de vida e um setor econômico em rápido crescimento. Hoje há revistas sobre o estilo de vida paleolítico, conferências como a Paleo f(x) e colônias de férias como a PrimalCon. Há livros paleolíticos, bonecos de ação, produtos de beleza, licores, máscaras de dormir, roupas e sapatos sem sola.

E, claro, o estilo "Paleo" tem celebridades entre os seus seguidores. Atores como Megan Fox, Jessica Biel e Matthew McConaughey já aderiram, segundo se diz.

Byron Eggenshwiler
O estilo de vida 'das cavernas' inclui alimentação, sono e até xampu sem substâncias químicas
O estilo de vida 'das cavernas' inclui alimentação, sono e até xampu sem substâncias químicas

Karen Phelps, uma escritora freelance em Ashland (Oregon), converteu-se à dieta anos atrás, e isso acabou se tornando um compromisso de vida completo. "Você começa a pensar: 'Espere um minuto, se posso corrigir minha dieta a partir de princípios de saúde ancestrais, o que mais posso corrigir através de princípios de saúde ancestrais?'. A lista é interminável."

Para essa turma, limitar o entusiasmo pelo Paleolítico à comida é coisa de iniciantes.

A teoria básica da dieta dos homens das cavernas é que a alimentação moderna, baseada em grãos, amidos, laticínios e açúcar processado, não é adequada à evolução do corpo humano e tem contribuído para doenças comuns "da civilização", como diabetes e doenças cardíacas.

É por isso que os líderes do movimento, como Loren Cordain e Robb Wolf, defendem uma dieta "selvagem", semelhante à dos ancestrais do período Paleolítico, que ainda não haviam aprendido a cultivar e comer grãos, muito menos retirar a tampa de uma lata de batatas fritas.

A onda paleolítica tem seus críticos. Alguns nutricionistas argumentam que os alimentos vetados, como grãos, laticínios e vagens, contêm nutrientes valiosos, tais como cálcio, vitaminas B e D, antioxidantes e fibras.

Elizabeth Kolbert, em artigo na revista "New Yorker", também observou que uma dieta rica em carnes tem implicações ambientais terríveis. Ainda assim, os convertidos muitas vezes descobrem que ser paleolítico rapidamente se torna uma tarefa em tempo integral. Foi essa a experiência de Michelle Tam, ex-farmacêutica em Palo Alto (Califórnia), que, além da dieta, adotou uma rotina de sono primitiva.

Tudo começou há quatro anos, quando Tam, hoje com 40, experimentou a dieta do Paleolítico para combater a indolência e perder peso. Mas ela não só continuou após perder os quilos extras como também procurou reordenar o resto da sua vida em torno desses princípios ancestrais. Deixou o emprego num hospital e se transformou. Seu blog de receitas, o Nom Nom Paleo, é visualizado mais de 100 mil vezes por dia. Ela tem um livro de culinária que virou best-seller, um aplicativo de receitas e uma boneca à sua imagem e semelhança (que, estranhamente, é feita de vinil, não de pedra).

MAIS QUE DIETA

Tam também se viu alterando seu sono para ser mais paleolítica. Como diz Mark Sisson em seu livro "The Blueprint Primal", de 2009, "a atividade e os padrões de sono dos nossos antepassados eram moldados pelo nascer e o pôr do sol". Tam decidiu desligar todos os dispositivos eletrônicos depois das 20h. Se precisa checar seu iPhone, ela usa óculos de âmbar, para bloquear a luz azul do espectro que, segundo ela, interfere no seu ritmo circadiano.

Em seguida, ela transformou seu quarto no equivalente a uma caverna de Lascaux, ao instalar painéis de vedação nas janelas, da marca Indow Windows, uma empresa que disse ter visto o tráfego em seu site triplicar após ser citada por Tam no Twitter. Mas o estilo de vida não termina quando você sai da cama.

Vita Pedrazzi, ex-gerente de moda da Harrods em Londres, hoje morando nas ilhas Canárias, disse que costumava ser tão obsessiva pela beleza que se maquiava até para tirar o lixo de casa, em parte por causa da sua timidez em decorrência de ter acne.

Mas quando o caminho primitivo a inspirou a eliminar do seu banheiro qualquer produto que contivesse substâncias químicas, ela adotou uma política de tolerância zero contra quaisquer produtos de beleza ou limpeza comprados em lojas -inclusive sabão.

Como Pedrazzi, 30, orgulhosamente contou em seu blog, chamado Vita Lives Free, ela agora faz seus próprios produtos de beleza, incluindo um xampu "sem caca" (bicarbonato de sódio e vinagre de maçã, com algumas gotas de óleo de jojoba para as pontas, como um condicionador), esfoliação corporal feita de azeite de oliva e açúcar mascavo, e creme dental à base de óleo de coco e bicarbonato de sódio, com comprimidos de carvão ativado para o clareamento.

A atividade física preferida da tribo Paleo é o CrossFit, um treino de alta intensidade que valoriza movimentos nos quais aparelhos de ginástica são dispensáveis, como agachamentos e flexões, associado à dieta rica em proteínas e pobre em carboidratos.

O impulso primitivo também fez incursões junto àqueles que passam o dia cuidando dos filhos. Sites como o Primal Parents louvam as virtudes das balas sem xarope de milho, recomendam slings para transportar bebês e orientam mães a comerem a placenta.

A brincadeira desestruturada tornou-se um conceito valorizado. Pais primitivos são o oposto do modelo da "Mãe Tigre", focada em um objetivo. Em vez de lotar a agenda da sua filha com atividades como aulas de violoncelo e feiras de ciências, Phelps, a escritora do Oregon, brinca com ela em um riacho lamacento perto de casa.

"A brincadeira é o método pelo qual todos os mamíferos aprendem", disse ela. Mas os paleolíticos também sabem se divertir após o expediente, apesar de que as bebidas, pela lógica, deveriam ficar de fora. Para fazer um brinde, qualquer coisa à base de cereais, como a cerveja, geralmente é vetada. Mas os paleolíticos tendem a olhar de outra maneira para a vodca de batata, sem glúten, e a tequila feita 100% de agave.

O daiquiri de morango paleolítico, um oferecimento do Paleo Girl's Kitchen, no Pinterest, é feito com morangos orgânicos, gelo, suco de laranja fresco, rum e mel. Parece bastante com um daiquiri
comum.


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