Folha de S. Paulo


Cirurgia evita transplante de fígado em crianças com câncer

Crianças brasileiras com tumores agressivos no fígado têm uma nova opção de tratamento que pode evitar um transplante. A técnica, que já era usada em adultos, começou a ser aplicada em pacientes mais novos em um hospital de Curitiba.

Segundo o cirurgião hepático Julio Wierderkehr, que desde o início do ano realiza os procedimentos no Hospital Pequeno Príncipe, o novo método para retirada de tumores tem vários benefícios a longo prazo para a saúde dos pequenos.

"Para evitar a rejeição do órgão transplantado, é preciso tomar medicamentos que inibem o sistema de defesa do organismo, os chamados imunossupressores. Mas, além de prevenirem a rejeição, eles também diminuem a capacidade do corpo de combater doenças, infecções e até mesmo um outro câncer", explica o médico.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

"Como eles começariam a tomar os imunossupressores muito jovens, seriam muitos anos suscetíveis a esses efeitos adversos", completa.

A técnica também teria a vantagem, na opinião de Wierderkehr, de deixar os órgãos para transplante disponíveis aos pacientes para quem essa é a única opção de tratamento.

O menino Rafael Michalski, 12, foi o primeiro a ser submetido à técnica, conhecida como ALPPS, em janeiro. Diagnosticado com um tumor no fígado em 2013, ele tinha 75% do órgão tomado pelo câncer e estava na fila de espera por um transplante.

Cinco meses depois da operação, o estudante passa bem e não tem complicações.

O MÉTODO
A técnica se vale da capacidade de regeneração do fígado. Embora ele possa se regenerar mesmo após a remoção de grandes "fatias", ainda há divergências sobre o limite seguro de extração.

Na maioria das vezes, quando o tumor ocupa mais de 75% do órgão, a opção é o transplante, já que a área restante do fígado seria pequena demais para garantir a regeneração do órgão.

No método usado em Curitiba, os médicos turbinam o crescimento da área sadia do fígado, permitindo que mesmo órgãos com tumores grandes consigam se regenerar.

São duas cirurgias, com um intervalo de cerca de 15 dias entre elas.

Na primeira, o fígado é dividido entre a área sadia e a com tumor. A veia porta, que leva sangue até o órgão, é desconectada da região onde está o câncer. Dessa forma, o fluxo sanguíneo se concentra na área sadia.

Na segunda, a região com o tumor é removida e se inicia a regeneração do órgão.

No caso de Rafael, em dez dias o fígado sadio atingiu 41% do tamanho normal. Três meses depois da cirurgia, já tinha 70%. Além dele, outros quatro pacientes já se submeteram ao procedimento.

CAUTELA
Para o chefe do departamento de transplantes da Santa Casa e professor da USP Paulo Massarollo, trata-se de mais uma opção de tratamento, mas ainda é preciso cautela."Não é o fim do transplante em casos de câncer. Ela serve em casos bastante específicos, em que o paciente não tem cirrose e o tumor é só num lado do fígado. E esses são casos mais raros", diz.

"Para a fila de transplantes, o impacto é insignificante. Além disso, a literatura médica indica a possibilidade de complicações."


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