Folha de S. Paulo


Infecção resistente é crise global, diz OMS

As bactérias multirresistentes a antibióticos deixaram de ser problemas regionais para tornarem-se uma crise global. Para solucioná-la é preciso incluir no debate o setor agropecuário e a indústria farmacêutica, diz Carmem Lúcia Pessoa-Silva, chefe do programa que cuida da área na OMS (Organização Mundial da Saúde).

Um relatório divulgado pela entidade anteontem afirma que o problema é tão grave que ameaça levar a medicina a uma era "pós-antibiótico", na qual "infecções comuns e pequenos ferimentos podem matar". O documento lista as sete bactérias multirresistentes que mais preocupam os sanitaristas e culpa o uso indiscriminado desses remédios pelo fenômeno.

O emprego de antibiótico sem necessidade faz com que bactérias desenvolvam resistência a essas drogas em escala de poucos anos, por meio de seleção natural.

"Fizemos uma análise minuciosa de toda a literatura médica existente e demonstramos que o risco de morte para muitas das bactérias resistentes é pelo menos duas vezes maior quando comparado com uma bactéria susceptível a antibióticos", diz Pessoa-Silva. "O tratamento que resta são combinações tóxicas de drogas caras, e ainda assim o risco de morte continua elevado."

IMPACTO ECONÔMICO
O aumento do custo de terapias, segundo a OMS, representa só um quarto do impacto econômico do problema. O resto se dá por meio da incapacitação de vítimas para trabalhar. O Fórum Econômico Mundial estima que infecções resistentes podem reduzir o PIB de um país em até 1,6%.

Para a OMS, o abuso dos antibióticos em humanos pode ser reduzido com melhores políticas de diagnóstico, que previnam o uso da droga quando ela não é necessária.

Sanitaristas também precisam intensificar programas de prevenção. Se uma droga é usada com menor frequência, infecções resistentes demoram mais a aparecer, e laboratórios ganham mais tempo para desenvolver uma nova molécula que a substitua.

Para cessar o uso indiscriminado de antibióticos em animais, porém, será preciso levar o debate para fora do meio médico, e trazer a agropecuária para a negociação.

Fernando Mola/Editoria de Arte/Folhapress

"A OMS já está discutindo isso com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura)", diz Pessoa-Silva. "O uso de antibiótico em animais, principalmente o uso não terapêutico, para crescimento, precisa ser evitado. Existe um uso maciço hoje na ração e na água de animais de corte e também na piscicultura."

Segundo a epidemiologista, um dos problemas do uso para engorda é que ele é feito em baixas doses, e isso cria o ambiente ideal para o desenvolvimento de novas bactérias resistentes.

Outro problema que compromete o tratamento de infecções causadas por novas bactérias é o desinteresse da indústria farmacêutica em produzir drogas para uso conta problemas agudos, como infecções, que têm menos potencial rentável do que doenças crônicas, diz a OMS.

O próprio surgimento de bactérias resistentes desencoraja laboratórios a investirem em pesquisa e desenvolvimento para novos tipos antibióticos, que podem se tornar obsoletos antes de dar retorno financeiro.
"Além disso, quando se produz um antibiótico eficaz, o ideal é preservá-lo, e não fazer marketing para que ele seja usado maciçamente, pois quanto mais intensamente ele é usado, mais rápido vamos perdê-lo", diz Pessoa-Silva. "O antibiótico, então, não pode mais ser visto como um bem comercial. Tem de ser visto como um bem público."

A OMS tem contatado executivos da indústria farmacêutica para discutir soluções, diz.


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