Folha de S. Paulo


Mães aderem à higiene natural para condicionar bebê a usar penico

Valentina tinha um mês quando passou seu primeiro dia sem fraldas. A mãe, Jéssica Bonizzi, 22, depois de perceber que a filha "avisava" quando ia fazer xixi ou cocô, resolveu colocar em prática um método que tinha visto na internet, o EC (do inglês "elimination communication", comunicação de eliminação) ou higiene natural.

A técnica consiste em aprender os sinais que o bebê dá quando vai fazer xixi ou cocô e, na hora H, levá-lo ao banheiro.

"Minha filha dava sinais claros", diz Jéssica. Se ia fazer cocô, ficava vermelha e com o olhar vidrado; se era xixi, dava um gritinho. "Não tinha por que não tentar."

No primeiro teste, Jéssica e o marido já conseguiram 100% de aproveitamento: o sucesso fez com que o casal deixasse as fraldas reservadas só para a hora de dormir ou quando saíssem de casa.

Jéssica faz parte de uma comunidade brasileira no Facebook sobre higiene natural. Na semana passada, eram 373 membros, entre eles Tamara Hiller, parteira alemã radicada na Bahia e uma das pioneiras do método no Brasil.

Hiller conta que a higiene natural se popularizou nos EUA e na Europa na última década e ganha mais adeptos por aqui. Mas, lembra, "trata-se da recuperação de uma prática antiga". "Não usar fraldas é uma realidade em muitas partes do mundo."

A parteira começou a divulgar o método depois do nascimento de sua filha, há seis anos. Segundo ela, a técnica ajuda a evitar assaduras e infecções urinárias, porque o bebê não fica muito tempo sujo, além de gerar menos lixo do que usar fraldas descartáveis e ser mais prático do que lavar fralda de pano.

Ela defende que o processo comece até os três meses, porque a adaptação é mais simples. "O bebê nasce sabendo dar sinais, nós que os ignoramos."

Segundo a pediatra Fátima Rodrigues Fernandes, do Hospital Infantil Sabará, não há estudos mostrando que recém-nascidos tenham controle sobre suas necessidades fisiológicas ou a capacidade de comunicá-las a alguém.

Ela diz que a criança pode até ser condicionada a sinalizar quando vai fazer xixi mas que isso é inútil. "Talvez seja melhor gastar essa energia com outros estímulos, como a visão, que se desenvolve aos poucos."

O pediatra Marcelo Reibscheid, do Hospital São Luiz, concorda. "É forçar o desenvolvimento de uma habilidade em detrimento de outras."

Victor Moriyama/Folhapress
Jéssica Bonizzi, 22, percebeu que a filha Valentina, de um ano e oito meses, dava sinais quando queria fazer xixi ou cocô
Jéssica Bonizzi, 22, percebeu que a filha Valentina, de um ano e oito meses, dava sinais quando queria fazer xixi ou cocô

Tamara Hiller argumenta que a prática deve ser encarada como algo natural.

"Muitas mães percebem que a criança tem uma rotina de fazer xixi depois de acordar. Por que não levar o bebê para um lugar apropriado?"

A produtora Raquel Siqueira Ramos, 30, começou a praticar higiene natural com o filho quando ele tinha seis meses. "Ele começou a fazer cocô sempre na mesma hora, uma vez ao dia."

A ida ao peniquinho de manhã virou rotina, mas com o xixi ela não se arriscou. "O Caio passava o dia todo de fralda." Hoje ele está com três anos e meio e desde os dois não usa mais fraldas.

A veterinária Hellen Martins Simões, 31, que praticou higiene natural com a filha desde o primeiro mês, diz que a técnica melhora a comunicação entre pais e bebê.

"A Maria Julia está com dois anos e não tenta chamar a atenção o tempo todo. Ela sabe que, quando precisar, será atendida."

Para a psicopedagoga Georgia Vassimon, o vínculo entre mãe e bebê já é forte. "Fico pensando se essas crianças não serão superprotegidas." Outra preocupação da especialista é o fato de a maternidade já ser cheia de cobranças. "Seria mais uma coisa para se preocupar?"

Um lado bom da higiene natural é a estimulação do desfralde, afirma a psicóloga Andreia Calçada. "A fralda tira a percepção da criança de que ela fez xixi. Ela nem fica sabendo que xixi existe."

Mas esse estímulo, diz a psicóloga, deve ocorrer quando houver amadurecimento físico. Segundo Fernandes, o controle do esfíncter (músculo que segura o xixi) só acontece por volta dos 18 meses.

Reibscheid recomenda que os pais não voltem atrás depois de iniciarem o desfralde, para não confundir a criança. "Por isso é melhor não ter pressa e esperar que ela dê os sinais."


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