Folha de S. Paulo


Aluna de 13 anos de colégio particular denuncia assédio sexual praticado por colegas

A vítima tem 13 anos. Os agressores, 14. Todos são alunos de uma tradicional escola particular paulistana. No último mês, são o centro de um enredo que põe à prova o papel de pais, educadores e da própria instituição e que abre o debate sobre violência sexual entre adolescentes.

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A garota, do oitavo ano, diz ter sido assediada sexualmente por três meninos do nono ano. Segundo ela, os meninos mandaram uma mensagem de celular falsa, em nome de um amigo dela, marcando um encontro para depois da aula de inglês.

Chegando lá, em uma praça perto do colégio, na zona oeste, ela conta ter sido cercada e agarrada contra a vontade pelos três. Conseguiu se desvencilhar e foi direto à escola fazer a denúncia.

A instituição suspendeu os meninos por sete dias e se viu na obrigação de debater o fato, já que versões aumentadas ganharam os corredores. Uma orientadora percorreu as turmas do quinto ao nono ano esclarecendo 500 alunos.

"É grave, mas não se trata de estupro", informou a direção da escola. Para não expor os envolvidos, a Folha preservou o nome da instituição.

"Não houve violência física, mas desrespeito. Estamos trabalhando a questão e acreditamos ser possível reverter a situação dentro da escola", disse a coordenação.

A família da garota decidiu não levar o caso à polícia. "Estamos tomando as decisões com o colégio", diz a mãe da menina, que é professora na mesma instituição.

Os pais dos meninos não quiseram se manifestar. A garota também não quer mais tocar no assunto. Sua mãe diz respeitar a decisão, mas afirma: "Escolhemos viver a situação, e não esquecê-la. Estamos atentos às consequências e abertos ao diálogo".

BRINCADEIRA BOBA

Há duas semanas, em outra escola particular na mesma zona oeste, dois meninos de 12 anos foram suspensos por terem feito "uma brincadeira" com alunas da mesma idade. "Eles chegam por trás, põem a mão no ombro das meninas fingindo que vão abraçar e descem até os seios", descreve a orientadora. Só que uma reclamou. "Chegou com olhos cheios de lágrimas, disse que pegaram no seu peito."

Um dos garotos assumiu e quis pedir desculpas à colega, que não aceitou. Os pais foram chamados e os meninos, afastados por um dia.

Situações como essas são, sim, violência sexual, segundo a psicóloga Renata Coimbra Libório, pesquisadora da Unesp. "Não precisa consumar o estupro. O toque sem consentimento é abuso."

Tempos atrás, um aluno distribuiu na sua escola um vídeo em que ele fazia sexo consensual com uma colega de 13 anos. Ele foi separado da turma até a conclusão do semestre e, depois, convidado a se retirar do colégio.

Casos de adolescentes que passam dos limites são frequentes e não acontecem só na escola, mas em festinhas e baladas, lembra a psicóloga Rosely Sayão, colunista da Folha. "A sexualidade desses jovens está muito exacerbada e eles não têm noção de respeito. Acham normal passar a mão nas meninas e beijar não sei quantas", diz.

A fase dos 13 anos é a pior, segundo Sayão. É quando a efervescência hormonal se junta à hiperestimulação.

"Há estímulos o tempo todo, na TV e na música", diz Neide Saisi, psicopedagoga e professora da PUC-SP.

Muitos desses estímulos não são positivos, segundo Antonio Carlos Egypto, psicólogo especialista em orientação sexual. Basta assistir a um programa de humor ou a peças publicitárias para perceber que "a imagem da mulher-objeto é usada de maneira escancarada", diz ele.

"Os adolescentes falam que vão 'pegar' alguém. A gente só pega objetos", complementa Sayão.

A desvalorização da mulher é reforçada pela família e pela escola mesmo sem saber, segundo Renata Libório: os pais valorizam o comportamento garanhão dos meninos e a escola pensa estar prevenindo a violência aconselhando as meninas a usar roupa larga e saia comprida.

"Por que não ensinar o menino a respeitar a menina, não importa a roupa que ela use?", pergunta.

PREVENÇÃO

A prevenção da violência sexual nessa faixa etária depende de uma discussão sobre papéis e gêneros, segundo Egypto. E isso é responsabilidade da escola e da família. "Não tem só que discutir a prevenção de gravidez na adolescência. É preciso falar do prazer, de como conter os impulsos. Não podemos fingir que o desejo não existe."

Dá para contar nos dedos as escolas particulares de São Paulo que têm projetos específicos de sexualidade, de acordo com Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, entidade que faz trabalhos em educação sexual.

O tema está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais. "Não é o que acontece. A sexualidade deve estar em palestras e no dia a dia dos professores, na forma como tratam todos os temas."

No Gracinha (Escola Nossa Senhora das Graças), a professora de ciências e a orientadora são responsáveis por falar com as turmas sobre sexo.

"Tenho uma aula por semana e falamos de sexo, internet e outros assuntos", diz Nausica Riatto, orientadora do sexto ao nono ano. Ela considera que o colégio faz um trabalho de prevenção, mas, mesmo assim, todo ano acontece uma polêmica relacionada a sexo na escola, como casos de exibição de imagem na internet.

No Colégio Bandeirantes, a bióloga Estela Zanini coordena há 16 anos um programa de educação sexual que inclui aulas semanais. "Eles têm muita informação sobre sexo, o problema é que nem sempre essa informação é contextualizada, muitas vezes é cheia de preconceitos."

O que falta talvez não seja educação sexual, mas o ensino de valores morais.

De acordo com a pedagoga Luciene Tognetta, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral, o tema é alvo de um jogo de empurra entre escola e pais. "Não cabe só à família ensinar respeito e regras de convivência", afirma.

Os pais deveriam passar valores ligados ao espaço privado. A escola deveria ensinar regras da vida pública. "É no relacionamento com pessoas de fora da família que desenvolvemos princípios éticos apurados e aprendemos a respeitar qualquer um."

Para Tognetta, o ensino moral deve ser espalhado por todas as disciplinas e servir de vacina contra a violência.

"Ainda pensam que a moral é ensinada em aula de religião. É preciso debater, fazer com que o aluno pense nas suas atitudes. A escola tem esse dever."

Mas a instituição sozinha não faz tudo, lembra Sayão. "A escola precisa de apoio, está acuada e impotente, e que apoio a sociedade tem dado? Não vejo ninguém como vítima ou culpado nesse caso. A sociedade é cúmplice dessa história."


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