Folha de S. Paulo


'Ter médicos na comunidade é um sonho realizado', diz ribeirinha no AM

No Repartimento do Tuiué, em Manacapuru (AM), a família Maciel precisa viajar quatro horas e meia de barco para chegar à cidade mais próxima. A dificuldade do deslocamento faz que a assistência médica no local seja precária.

"Muitas famílias não têm acesso à cidade e não têm como ir a um médico para fazer exame", afirma Alcimara, 36, da segunda geração da família. Em setembro, eles participaram pela segunda vez do mutirão da Renovatio, ONG que leva atendimento oftalmológico a locais sem acesso no país e está na final do Prêmio Empreendedor Social de Futuro.

"A primeira consulta foi na comunidade chamada Palestina", lembra Alcimara. "Foram umas 12 horas de viagem no total."

Para sua mãe, Susana, 72, os óculos permitiram que ela voltasse a costurar à noite. "Estou bem feliz com os médicos [da Renovatio] aqui porque foi uma bênção."

Leia abaixo o depoimento da família Maciel à Folha.

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Alcimara Maciel, 36, paciente da Renovatio

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Descobri há um ano a Renovatio. Como tinha problema de vista, mas não tinha condições para fazer um exame, me indicaram a ONG e conheci o Ralf e a equipe toda. Foi ótimo, me deu o privilégio de ter uma qualidade de vida melhor.

ESCOLHA DO LEITOR

A primeira consulta foi na comunidade chamada Palestina. Da nossa família, foram meu pai, minha mãe, meu marido, minhas duas irmãs e eu. Fomos de barco, cerca de quatro horas e meia, e, de lá, pegamos uma van para chegar até o local onde eles estavam atendendo. Foram umas 12 horas de viagem no total.

Foi ótimo sair com os óculos na mesma hora. A partir daquele momento já tive uma qualidade de vida melhor. Tenho uma dificuldade de leitura e sinto dor de cabeça direto quando leio sem os óculos. O que melhorou foi que eu não tive mais dor de cabeça. Posso ler, ter minhas atividades. Antes, meus olhos lacrimejavam bastante e hoje não tenho mais esse problema.

Assim como eu, muitas famílias não têm acesso à cidade e não têm como ir a um médico para fazer exame. Toda a comunidade vai ter uma vida melhor daqui para frente. Ter os médicos pela primeira vez aqui é um sonho realizado.

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Barbosa Soriano Rios, 40, pescador e marido de Alcimara

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Eu tinha muita dificuldade de leitura a qualquer hora. Para fazer compras em supermercado, não tinha mais como ver o preço da mercadoria, as validades. Quando passei a usar esses óculos, a partir do exame que eu fiz na outra vinda da Renovatio, melhorou 100%.

Posso ver a validade de uma mercadoria e pegar qualquer revista, jornal ou uma Bíblia para ler.

Para mim, esse exame foi muito especial, pois temos esse atendimento em nossa comunidade. É uma coisa importante eles chegarem até nós, devido ao gasto para ir até uma equipe dessa.

Não temos essas condições, é um custo muito alto de passagem, de carro, até mesmo de ônibus para chegar à cidade, na capital. Essa equipe vindo até nós é uma coisa maravilhosa. Ficamos muito gratos por isso.

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Alcimar Maciel, 62, pai de Alcimara

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A primeira vez que eu fiz óculos foi com eles. Só serve se for para pertinho. Enxergo bem, só que o problema é aqui na cabeça, que dói, e o calor dos olhos, aquele ardume, que escorre lágrima tipo uma pimenta.

A médica disse que eu tenho uma visão seca. Passou só o colírio para botar.Eles não deram jeito e tenho que procurar outro recurso.

É muito pesado ir para longe buscar recursos de saúde. Depende de ter condições do dinheiro para pagar a passagem até chegar lá. E às vezes muita gente não tem dinheiro para ir.

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Susana Maciel, 72, mãe de Alcimara

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Tenho 15 filhos e todos se arrumaram, se casaram. São 58 netos e dez bisnetos. Agora, eu quero sossego, colocar um comércio, ganhar meu dinheirinho todo dia. Não quero mais estar no sol porque nós, nessa idade, não aguentamos muito mais.

Meu sonho era que meus filhos estudassem e aprendessem alguma coisa, para não se criarem tão analfabetos. Às vezes, eu vejo que meus filhos e meu netos não querem estudar com a escola bem ali. Minha mãe me criou dentro daquele igarapé, longe de aula, longe de tudo. E meus filhos tudo tinham mais perto e muitos não quiseram terminar os estudos.

Eu estudei até o terceiro ano, depois de velha. Eu trabalho com roçado, vou pescar. Boto uma cachorra lá atrás da popa da canoa e vou. Volto com a canoa alastrada de tudo quanto é peixe. Por isso que eu sou feliz aqui neste lugar.

Essa terra é boa para plantar, é boa de peixe, a água é boa. Só está faltando as pessoas se reunirem mais para pedir que venha assistência médica. Saúde é a coisa mais importante para nós..

Não estou bem porque sofro com dor nos ossos, mas sou teimosa. O médico disse para eu não andar muito na ladeira, e eu tenho esse sítio que todo dia eu tenho que descer a ladeira e subir. E estou vencendo essa batalha.

Estou bem feliz com os médicos [da Renovatio] aqui porque foi uma bênção. Aqui não tem médico de vista. Gostei muito deles, um pessoal muito atencioso.

Eu costurava de noite. Não tinha tempo de dia, pois trabalhava junto com meu marido e meus filhos. Aproveitava até as 11 horas da noite para costurar e fui acabando a vista. Foi quando calhou de chegar um povo que veio lá da Alemanha fazer exame de vista aqui perto. Eles me deram os primeiros óculos.

Quando eu coloquei os óculos, voltei a enxergar melhor. Hoje, estou enxergando bem e com esses óculos posso costurar novamente.


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